4030 | II Série A - Número 099 | 31 de Maio de 2003
cultural, social e económico dos países. Compete ao XV Governo Constitucional apresentar à Assembleia da República, e, deste modo, à discussão dos cidadãos e das instituições portuguesas, um novo conjunto de bases do sistema educativo, agora sob a designação mais correcta de Lei de Bases da Educação.
O Governo não o faz tanto por decorrência do seu Programa de Governo, mas mais, como deve ser e lhe cabe, porque na percepção do sentir da sociedade portuguesa contemporânea e dos desafios que hoje se colocam ao desenvolvimento de Portugal, no contexto global da sociedade do conhecimento e da inovação, constata a evidente desadequação da actual Lei de Bases do Sistema Educativo, que vem no seu conteúdo essencial de 1986, às necessidades da qualificação dos portugueses, verdadeiramente determinantes do nosso devir colectivo.
É intenção do Governo que, no âmbito dos trabalhos da Assembleia da República, o órgão de soberania que constitucionalmente assume este processo legislativo, haja as adequadas reflexão e discussão públicas e que em torno destas bases normativas se gere um amplo consenso, pois trata-se de matéria do mais sublime significado nacional.
II
A proposta de lei agora apresentada à Assembleia da República não se constitui como uma ruptura relativamente à Lei de Bases do Sistema Educativo ainda em vigor, nem tal seria de esperar, considerando o carácter infra constitucional destes diplomas, a qualidade do trabalho legislativo de 1986 e a sensibilidade de que em áreas como a educação as melhorias devem acontecer sobretudo numa lógica de regeneração das estruturas e das práticas existentes.
Ainda assim, estamos declaradamente com as bases da educação constantes desta proposta do Governo perante uma nova lei, tal é a profundidade das evoluções no sistema interno e externo do diploma anterior, perante um novo texto global, com uma nova sistemática nalgumas matérias essenciais, e com inovações do maior significado nos princípios, nos objectivos, na organização e no funcionamento do sistema educativo português. Destas inovações dar-se-á nota ao longo da presente exposição de motivos.
Poderá dizer-se que, no século XX, em Portugal, apenas em determinados momentos a educação foi pensada, em termos de organização e de funcionamento, como um sistema, não tendo tido até meados da década de 80 senão reformas sectoriais. De facto, a única lei de bases do sistema educativo com efectiva concretização foi precisamente a de 1986. Em 1923 a Câmara dos Deputados aprovou, sob proposta do Governo, uma Lei de Bases da Reorganização da Educação Nacional, não tendo esta tido qualquer eficácia. Meio século mais tarde, em 1973, a Assembleia Nacional aprovou novas bases da educação, que, tendo consagrado princípios que haviam enformado algumas das alterações pontuais feitas no início dos anos 70, acabou por não ter qualquer aplicação posterior.
Com a aprovação da presente proposta de lei será, pois, verdadeiramente, a segunda vez que, na história da nossa República, se leva a cabo uma reforma estrutural do sistema educativo.
III
A sociedade do conhecimento é não só actual, mas bem real. Reclama especiais competências para a utilização da informação e, porque é flexível, exige capacidade de adaptação, porque assenta na inovação, exige capacidade para enfrentar o desconhecido e para acomodar o recém conhecido, porque é heterogénea, exige a capacidade de tolerância e interpretação autónoma do diverso, porque é interactiva, exige capacidade para desenvolver interligações, apontando para o limite do global, e para desenvolver intraligações, apontando para as referências próprias da existência individual.
Vivemos hoje, ao mesmo tempo, o aprofundamento da autonomia, mas também o aprofundamento de relações sociais caracterizadas pela dependência e interdependência, no sentido ético de que a liberdade pressupõe responsabilidades concretas. Estas responsabilidades concretas devem conduzir as sociedades democráticas a recusar toda a permissividade e todo o comodismo, até porque lhes é vital renovarem e renovarem-se, em permanência, na base de opções estratégicas explícitas e ancoradas em valores.
A sociedade do conhecimento é, na sua essência, personalista. Assenta toda a sua dinâmica na pessoa do cidadão, a quem fornece toda a informação, mas nele pressupõe capacidade autónoma de juízo, sentido criador e capacidade de organização. Confere-lhe as condições para a autonomia e liberdade, mas confere-lhas no pressuposto da responsabilidade para com um papel e uma missão de sentido comunitário, mesmo com as comunidades vindouras, no que hoje já se assume como uma ética do futuro.
A responsabilidade individual para com a renovação permanente exige mais do que desígnios explícitos e eticamente fundados e do que formação moral e cívica; exige realmente competências e aptidões cada vez mais vastas e profundas, que se suportem na conjugação dos conhecimentos específicos, mais rapidamente ultrapassáveis, com as formações mais alargadas e perenes. É que só um tal modelo de educação permite olhar para o paradigma conflitual e tensional do mundo de hoje como um conjunto de desafios, estimulantes de respostas e, assim mesmo, de inovação.
É este o desafio, novo, que hoje se coloca aos sistemas educativos: formar cidadãos competentes no rigor da aplicação prática dos saberes e, simultaneamente, capazes de compreenderem o mundo sem perderem as suas raízes; capazes de inovarem sem desprezarem as tradições referenciais; capazes de encontrarem soluções de curto prazo sem descurarem a consolidação do futuro, através de reflexão prospectiva; capazes de conjugarem competição e igualdade de oportunidades; capazes de, perante a disponibilização torrencial de informação, edificarem uma cultura pessoal, estruturada a partir de uma assimilação autónoma, consciente e orientada de conhecimentos; capazes de resolverem a tensão entre o espiritual e o material, a segurança e a insegurança, a estabilidade e a instabilidade, que caracterizam indelevelmente as sociedades dos nossos dias.
A missão fundamental da educação é hoje, mais do que nunca, fornecer a cada pessoa os meios para o desenvolvimento de todo o seu potencial, para o exercício de uma liberdade autónoma, consciente, responsável e criativa. Há, assim, que assegurar uma educação que prossiga conjugada e sequencialmente as finalidades do aprender a ser e a viver juntos, do aprender a estar, do aprender a conhecer, do aprender a fazer, do aprender a pensar e aprofundar autonomamente os saberes e as competências. Esta é uma nova visão estratégica para a educação em Portugal; esta é a visão que enforma a presente proposta de lei de bases da educação.
IV
A necessidade de reforma do sistema educativo português, com uma profundidade que exige novas bases axiológicas e da sua organização e funcionamento, é urgente, pois, para além do sistema não estar preparado para