4031 | II Série A - Número 099 | 31 de Maio de 2003
dar resposta aos desafios que, como se viu, hoje se lhe colocam, demonstra, de há muito, a incapacidade para produzir os resultados que a sua concepção anteviu.
Existe no nosso sistema educativo pensamento conceptual sofisticado e existem alguns momentos de excelência. No entanto, ele não tem sido capaz de, apesar do acentuado crescimento da despesa pública em educação, generalizar a qualidade do ensino e das aprendizagens. Têm imperado em Portugal visões das políticas educativas mais assentes numa prática experimental e casuística do que na assunção de perspectivas integradas e estratégicas, contribuindo para uma lógica de dispersão grave de recursos e de desequilíbrios flagrantes na distribuição das condições educativas. Há muito que o sistema educativo português deixou de ter capacidade para utilizar os recursos nele empregues no crescimento da qualidade dos seus resultados.
Continuamos a denotar lacunas graves nos saberes estruturantes; continuamos a apresentar insuficiências na aprendizagem de competências práticas efectivas e na preparação adequada para o ensino superior; não existe entre nós, em termos organizados e generalizados, um verdadeiro ensino profissionalizante, dinâmico e actual; mais de dois terços dos portugueses entre os 25 e os 34 anos não ultrapassou as aprendizagens básicas; mais de dois terços dos estudantes do ensino secundário optam por vias gerais de estudos, em detrimento das vias profissionalizantes, revelando uma tendência inversa à dos nossos parceiros europeus.
A administração educativa é ineficiente e ineficaz, por carência de organização. Nos últimos anos foi sujeita a reformas que, apesar de atomisticamente bem fundadas, causaram distorções e disfunções notórias no sistema, por total ausência de visão de conjunto e ausência de acompanhamento na concretização. Como num aluvião, a actual administração educativa acumula sedimentos de centralismo, de desconcentração, de descentralização, de autonomia, tudo numa indefinição e confusão de missões, com lacunas graves na informação de gestão, a todos os níveis, e nas capacidades de prospectiva de políticas.
O XV Governo Constitucional viu-se assim perante a necessidade de não apenas ter que conceber alternativas de política educativa, mas de ter que criar os meios de organização administrativa e informação para poder, com sucesso, aplicar aquelas. Esta visão reformadora do sistema educativo português está bem patente na presente proposta de lei de bases da educação.
V
Como se referiu já, esta proposta de lei tem um sentido estratégico para o País, que ultrapassa a dimensão programática deste ou de qualquer outro governo. Mas deve acentuar-se que o actual Governo já pautou a sua política educativa pelos desígnios estratégicos que agora apresenta à Assembleia da República.
É assim na visão curricular que melhor articula a educação e a formação. É assim numa nova cultura de responsabilidade e avaliação permanente e pública, em termos contextualizados, do sistema educativo e de todos os seus intervenientes: alunos, educadores e professores, pessoal não docente, as próprias escolas, todo o sistema e mesmo a política educativa. É assim no aprofundamento do papel das comunidades e das autarquias locais no desenvolvimento da educação. É assim na assunção de uma verdadeira autonomia das escolas, públicas, particulares e cooperativas, que se justifica em função da responsabilização por projectos educativos próprios. É assim na percepção da relevância de um papel mais cooperante entre a escola do Estado e as escolas particulares e cooperativas É assim na modernização da administração educativa. É assim no planeamento e na gestão das necessidades relativas aos recursos humanos, materiais e financeiros, que agora se assume com rigor. É assim no ordenamento da rede de ofertas educativas e na reorganização das escolas.
Pela mão do actual Governo está já em curso, nos aspectos mais estruturantes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, a revisão curricular do ensino secundário, incluindo o ensino profissional e o ensino artístico, a aplicação do novo estatuto do aluno e do sistema de avaliação da educação e do ensino, a descentralização de competências nas autarquias locais, a nova orgânica do Ministério da Educação, a execução do novo regime dos concursos de recrutamento e colocação de docentes, incluindo do ensino português no estrangeiro, a organização do sistema de informação de gestão e de controlo de gestão das escolas, o reordenamento das redes de ofertas educativas e a conclusão do processo de agrupamento de escolas, bem como o programa de recuperação do primeiro ciclo do ensino básico e a continuação do programa de expansão da educação pré-escolar.
Estas decisões complementar-se-ão, também nos aspectos mais estruturantes do ensino não superior, com medidas de reorganização do ensino especial, do ensino recorrente, do ensino português no estrangeiro, de revisão dos estatutos do pessoal docente e não docente, incluindo as áreas da formação e da avaliação, de criação de um novo regime de autonomia, gestão e financiamento das escolas, bem como de início de concretização das novas Bases da Educação, nos termos em que a presente proposta de lei vier a ser definitivamente aprovada.
Trata-se de uma profunda reforma estrutural da educação em Portugal, que deve ser concretizada com sentido de urgência e perseverança, reforma esta que tem por objecto também o ensino superior, como em breve esta exposição de motivos explicitará.
VI
As bases normativas que constituem o objecto desta proposta de lei têm assento constitucional. A elas refere-se a alínea i) do artigo 164.º da Constituição, como "Bases do sistema de ensino", assim integrando a matéria no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Optou-se, em 1986, pela designação de "bases do sistema educativo" e, agora, por "bases da educação".
Fez-se esta opção por se considerar a ideia de educação mais ampla e menos formal que a de ensino; por pretender acentuar-se a dimensão pluridimensional do acto de ensinar, inscrito num conjunto de valores de referência que o tornam formativo ou educativo; por entender-se oportuno focalizar toda a dinâmica do processo formativo nos seus destinatários e nos seus resultados, realidades que não podem deixar de definitivamente ser assumidas como a razão de ser do sistema educativo e como orientadoras do seu funcionamento; e, por fim, por se assumir a intenção de estruturar todo o sistema interno da nova lei de bases mais numa lógica de valores e finalidades essenciais do que numa lógica orgânica, de estruturas e de funcionamento.
VII
Refira-se, desde já, a propósito do significado de educação, que a proposta de lei continua a abarcar dentro do conceito amplo de educação as mais restritas educação e formação, agora reorganizando todo o sistema global. É assim que, a pressupor uma muito mais apurada articulação