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0005 | II Série A - Número 038 | 28 de Julho de 2005

 

Contudo, segundo os subscritores do projecto de lei em análise, é visível, cada vez mais, o estado de degradação daquele património ecológico. Entre outras agressões, há lixo acumulado, campismo selvagem, trânsito de veículos motorizados no areal e pisoteio. Mas também a poluição constitui uma ameaça à sobrevivência das espécies e à diversidade do ecossistema. Finalmente, as várias barragens situadas a montante deste estuário impedem a distribuição das areias por este e pelo litoral, efeito que é ampliado pelas operações de dragagens que foram retomadas nos últimos anos. Se, para além de tudo isto, ainda segundo os subscritores do projecto de lei, pensarmos na iminente construção dos tão propalados "molhes" teremos então, por efeito do fluxo de água, um aumento do grau de salinidade que irá destruir definitivamente o ambiente de "maternidade" que o estuário constitui para as espécies que a ele acolhem.

D) Enquadramento legal e doutrinário do tema
O artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa consagra, no seu n.º 1, o direito fundamental "a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado", bem como o dever - também fundamental - "de o defender".
O n.º 2 da mesma disposição legal estatui, designadamente, que "para assegurar o direito ao ambiente (…) incumbe ao Estado (…) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos (…), ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista (…) a valorização da paisagem (…)" e "classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza".
Na alínea c) do artigo 161.º do mesmo texto fundamental prevê-se que "compete à Assembleia da República (…) fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo". Na opinião dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira[1] as matérias constitucionalmente reservadas ao Governo são as atinentes à sua própria "organização e funcionamento" (cfr. artigo 198.º/2).
A Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, Lei de Bases do Ambiente, consagra no seu artigo 29.º, nomeadamente, que "será implementada e regulamentada uma rede nacional contínua de áreas protegidas (…) que devam ser submetidas a medidas de classificação, preservação e conservação, em virtude dos seus valores estéticos, raridade, importância científica, cultural e social ou da sua contribuição para o equilíbrio biológico e estabilidade ecológica das paisagens" (n.º 1); que "a iniciativa da classificação e conservação de áreas protegidas, de lugares, sítios, conjuntos e objectos classificados será da competência da administração central, regional ou local ou ainda particular" (n.º 3); E, finalmente, que "a definição das diversas categorias de áreas protegidas para o efeito da protecção referida nos números anteriores será feita através de legislação própria" (n.º 6).
Por seu turno, os n.os 1 e 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro - diploma que, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei de Bases do Ambiente, veio aprovar o regime da criação e da gestão das áreas protegidas -, dispõem, respectivamente, que "a Rede Nacional de Áreas Protegidas é constituída pelas áreas protegidas especificadas ao abrigo do" mesmo diploma e que se classificam "como paisagem protegida as áreas protegidas de interesse regional ou local". O n.º 2 do artigo 4.º prevê que "as áreas protegidas de interesse regional ou local" sejam "geridas pelas respectivas autarquias locais ou associações de municípios". O artigo 9.º esclarece, no seu n.º 1, que se entende "por paisagem protegida uma área com paisagens naturais, seminaturais e humanizadas, de interesse regional ou local, resultantes da interacção harmoniosa do homem e da Natureza que evidencie grande valor estético ou natural" e, no seu n.º 2, que "a classificação de uma paisagem protegida tem por feito possibilitar a adopção de medidas que, a nível regional ou local, permitam a manutenção e valorização das características das paisagens naturais e seminaturais e a diversidade ecológica".
Por outro lado, o artigo 26.º dispõe, no seu n.º 1, que "as autarquias locais e as associações de municípios podem propor a classificação de áreas de paisagem protegida" e, no seu n.º 3, que "as propostas de classificação são apresentadas ao SNPRCN (actual ICN - Instituto de Conservação da Natureza), que procede à sua apreciação técnica". No n.º 1 do artigo 27.º determina-se que "compete ao (ICN) propor ao Ministro do Ambiente (…) a classificação da área de paisagem protegida, a qual é feita por decreto regulamentar".
Deste modo, acentua-se que, embora nada impeça, de um ponto de vista constitucional, que uma área de paisagem protegida seja criada a partir de uma iniciativa legislativa parlamentar, como a presente, existe, contudo, tal como o atrás descrito, um regime jurídico-legal que consagra um iter procedimental próprio para aquele efeito. E, para além de esse regime jurídico-legal decorrer, ele mesmo, como também já mencionado, de uma lei de bases (a do Ambiente) formalmente aprovada pela Assembleia da República, ele visou, sobretudo, estruturar um sistema nacional equilibrado e articulado para a criação e a gestão dos vários figurinos das áreas protegidas. Sistema estrutural esse que acaba, inevitavelmente, por ser concorrencial pelo conteúdo da presente iniciativa.
A disciplina da gestão e a garantia da salvaguarda das áreas ambientalmente mais sensíveis alicerça-se na capacidade e na educação com que são tratados esses espaços ou, na falta ou insuficiência destes atributos, na imperatividade decorrente da lei.
A afectação de usos do solo é um processo de análise e de decisão onde devem estar presentes todos os factores: biofísicos, sociais, económicos e políticos. A estabilização dos usos, a sua alteração e eventual imposição é, incontestavelmente, uma competência da esfera do poder político.