O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

5 | II Série A - Número: 035 | 13 de Janeiro de 2007

— Actuação da CDT no sentido de motivar a sua continuação, podendo, caso o toxicodependente não cumpra o tratamento médico e esta situação se verifique repetidamente, as autoridades policiais deter o indiciado para garantir a sua presença perante as CDT.

3 — O edifício jurídico e o consumo de drogas: enquadramento histórico-doutrinário

A forma como o edifício jurídico deveria enquadrar o consumo de drogas tem sido ao longo dos tempos um ponto controverso, quer para o legislador, quer para os técnicos que intervêm directamente na área, quer para os investigadores. Na sociedade portuguesa, como noutras, tem-se desenvolvido um intenso debate sobre esta questão.
Em 1997 o ex-Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, na sessão inaugural do III Congresso Internacional sobre as Toxicodependências — X Encontro das Taipas, mencionou, no seu discurso de abertura:

«Já tive ocasião de referir a minha disponibilidade para apoiar em Portugal um debate sério sobre as diferentes abordagens no combate à droga (…). Estou convicto de que sem lesarmos directamente o narcotráfico, na sua dimensão económica, não conseguiremos avançar. Por isso, estou aberto à discussão de todas as perspectivas, incluindo as não proibicionistas, e ao aprofundamento de experiências praticadas noutros países, às vezes condenadas sem uma análise detalhada».

A problemática da droga terá que ser sempre analisada nas suas duas dimensões: a oferta e a procura. O estatuto jurídico do tráfico sempre gerou consensos, em oposição ao estatuto jurídico do consumo, que não tem sido consensual.
Sempre que se procedeu a alterações da chamada «lei da droga», nomeadamente para introduzir no nosso direito interno as mudanças necessárias para a rectificação das convenções das Nações Unidas que aderimos, a discussão intensificou-se e animou-se.
Os subscritores da descriminalização argumentavam que os efeitos procurados pelo legislador — a dissuasão do consumo de substâncias psicoactivas e o encaminhamento para tratamento dos toxicodependentes — seriam mais eficazes e coerentemente salvaguardados se se optasse por retirar o acto de consumir da esfera do direito penal, sem que se deixasse de respeitar as convenções das Nações Unidas que Portugal sempre ratificou. Este desiderato seria concretizado remetendo o acto de consumo para a tutela do regime do ilícito de mera ordenação social. Os subscritores da tutela do direito penal argumentavam com o poder da pena ou da sua ameaça na dissuasão do consumo e procura de tratamento.
Parece-nos pertinente mencionar, a título de uma breve resenha histórica, alguns dos momentos mais significativos dessa discussão.
Após a instituição da democracia a preocupação com a problemática do consumo e a forma de o enquadrar juridicamente, bem como o combate ao tráfico, estavam presentes na agenda política. Apesar de se viverem tempos de algum radicalismo, fruto do dealbar da democracia, é de salientar a forma equilibrada e integrada, traduzida numa visão psicossocial com que o legislador aborda o problema do consumo de drogas. O Decreto-Lei n.º 792/76, de 5 de Novembro, que cria e regula o Centro de Estudos de Profilaxia da Droga (CEPD), com o propósito de estudar e tratar do problema do consumo, é um bom exemplo. Assim, na exposição de motivos o legislador menciona «(…) Sem deixar de ser um delito, o uso ilícito da droga coloca delicados problemas jurídicos, na medida em que conduz a um enfraquecimento, e até a uma escravidão da vontade, que tendencialmente transmuda o infractor num doente, nessa medida imune, ou pouco menos, a uma imputação de culpa. Daí que imponha, paralelamente à criação das referidas estruturas, uma cuidada revisão do ilícito penal consistente no consumo de drogas, que melhor caberia no âmbito de um conjunto de normas de mera ordenação social».
O legislador reconhece o consumidor como um doente e assume que o domínio é delicado, colocando por isso problemas jurídicos da mesma ordem. Todavia, fica pelas interrogações, não ousa retirar da esfera do direito penal o acto de consumir.
Assim, o regime jurídico aplicável ao consumo continuará a ser o de 1970, consubstanciado no Decreto-Lei n.º 420/70, que, por sua vez, alterou o Decreto n.º 12 210, de 1926.
O normativo de 1970 veio rectificar a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, ratificada por Portugal em 1970. Permanece a lógica criminalizadora do consumo, sendo que o legislador está convicto que a intervenção da esfera jurídico-penal defenderá a saúde pública e desencorajará o consumo.
Em 1983, volvidos 13 anos, através do Decreto-Lei n.º 430/83, o Governo português procede à alteração do decreto de 1970. O objectivo é o de proceder às alterações necessárias para ratificar a convenção das Nações Unidas sobre as substâncias psicotrópicas de 1971, a que Portugal tinha aderido em 1979.
O legislador pretende acentuar o hiato entre as penalidades previstas para os crimes de tráfico e os de consumo, considerando que os primeiros, associados à criminalidade violenta, têm uma pena demasiado branda.