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14 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


Esse regime contém, como nota saliente, a vinculação das entidades públicas e privadas aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República), bem como a salvaguarda de certos limites a respeitar nas intervenções que os restrinjam (n.os 2 e 3 do mesmo artigo).
Deste modo, a questão de saber se o segredo bancário recai no âmbito de protecção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é uma verdadeira questão prévia, cuja solução marca decisivamente a oponibilidade à Administração Pública, e seus termos, da proibição de acesso aos dados bancários dos particulares.
É pela resposta a essa questão que começaremos o nosso percurso argumentativo.

16.1 — Das três manifestações em que se fracciona o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar — direito à solidão, direito ao anonimato, e autodeterminação informativa — é esta última a sua expressão cimeira e mais relevante, e aquela que particularmente nos interessa quando está em causa o estatuto constitucional do sigilo bancário.
Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar.
Mas a determinação do domínio de reserva do sujeito, como objecto desse direito, não é tarefa fácil, dada a dificuldade de delimitação precisa do que seja a «vida privada».
Indicativamente poderá dizer-se que o conceito cobre a esfera de vida de cada um que deve ser resguardada do «público», como condição de plena realização da identidade própria e de salvaguarda da integridade e da dignidade pessoais.
Independentemente da posição perfilhada quanto a certas teorias que — em termos, aliás, não unívocos — diferenciam várias esferas concêntricas da vida privada, adere-se à posição de que, quer no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República, quer no artigo 80.º do Código Civil, se consagra um direito genérico à reserva, cobrindo todo o âmbito da vida privada. A fórmula «reserva sobre a intimidade da vida privada», em ambas as normas utilizadas, não pode, pois, ser interpretada no sentido de circunscrever o domínio de protecção a uma certa parte da vida privada — a vida íntima, como núcleo central da vida privada.
Um pouco redundante, aquela fórmula normativa terá querido denotar o interesse protegido, demarcando-o do interesse coberto pela liberdade de condução de vida, e em particular da vida privada, de acordo com as opções próprias (nesse sentido, P. Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, Boletim da Faculdade de Direito, LXIX (1993), 479 s., 530-531, referenciando T. Auletta). Sendo ambos os direitos serventuários de valores de liberdade, e estando eles unificados no muito genérico conceito norte-americano de privacy, são entre nós tratados distintamente — o livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República e artigo 70.º do Código Civil), como liberdade comportamental, de livre conformação e expressão da personalidade, e o direito à reserva, facultando o livre controlo da informação sobre aquilo que, em decorrência dessa liberdade de conduta, cada um faz na sua esfera privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República e artigo 80.º do Código Civil).
No plano constitucional, esta interpretação no sentido de que toda a vida privada é objecto de reserva obtém um claro apoio no disposto no artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aí se proclama que «ninguém sofrerá intromissões na sua vida privada (…)», sem qualquer especificação restritiva.
Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição da República, «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem».
Sem embargo do que fica dito, e sem prejuízo da unidade do valor co-envolvido no dever de reserva enquanto autodeterminação informativa, reconhece-se, todavia, que é possível e justificado estabelecer graduações diferenciadoras entre zonas da vida privada, consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos constitutivos da personalidade. Ainda que se deva evitar as sectorizações rigidamente tipificadoras, é forçoso admitir que as exigências de inviolabilidade da esfera privada não se fazem sentir de forma «plana» e uniforme no interior da área de tutela, o que tem reflexos de regime, sobretudo no que diz respeito ao apuramento da gravidade da lesão e dos seus efeitos danosos, para fixação de montantes indemnizatórios e para a realização adequada da tarefa de ponderação com outros interesses constitucionalmente protegidos.
Sendo este o âmbito objectivo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, é altura de perguntar: cabe nele o sigilo bancário?

16.2 — A integração no âmbito normativo de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada dos dados relativos à situação económica de uma pessoa em poder de uma instituição bancária é de molde a provocar alguma perplexidade, se tivermos em conta a natureza e o sentido tutelador dos direitos da personalidade, que, neste ponto, constituem a matriz do imperativo constitucional. Poderá, na verdade, pensar-se que, estando em causa a protecção dos atributos da pessoa, dos bens constitutivos e expressivos