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16 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


Por outro lado, quando a quebra do sigilo bancário promana da administração fiscal, não pode olvidar-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, não tendo o impacto de abrir a porta a uma devassa pública. Na verdade, os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.os 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro).
Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objecto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, o que permitiu que se afirmasse que «a tutela dos legítimos interesses dos contribuintes que seria propiciada pelo sigilo bancário continua a estar garantida ainda que noutra sede e com menos condições» (Benjamim Rodrigues, O sigilo bancário e o sigilo fiscal, in AAVV., Sigilo bancário, Lisboa, 1997, 103 s., 112).
Só não é inteiramente assim porque o conteúdo do direito à reserva, contrariamente ao que o termo inculca, abrange não só a não difusão de dados, mas também a própria tomada de conhecimento. O acesso, em si mesmo e para prevenir a posterior divulgação, também está protegido (cfr., por todos, Paulo Mota Pinto, A protecção da vida privada e a Constituição, Boletim da Faculdade de Direito, LXXVI (2000), 153 s., 169).
Ora, com a derrogação do sigilo bancário por parte da administração fiscal, verifica-se o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos (ainda que se trate de pessoas obrigadas a guardar segredo), com «o inerente risco de este mais facilmente poder vir a ser violado». Mas, não obstante, é absolutamente certo que, em caso de levantamento do sigilo bancário pela administração fiscal, o sigilo fiscal «deixa salvaguardado o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da actividade bancária» (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, 619; para uma qualificação do sigilo fiscal como «instrumento jurídico privilegiado» de garantia do direito à reserva da vida privada e familiar, cfr. o Acórdão n.º 256/2002 do Tribunal Constitucional).
Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da administração tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.

16.4 — Se é assim do lado do direito à reserva, o que é que pode dizer-se do lado dos interesses ligados à administração fiscal que poderão justificar o seu sacrifício? Leia-se o que, neste contexto de confronto com o sigilo bancário, se escreveu sobre os fins do sistema fiscal, no relatório apresentado, em 1996, pela Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (Comissão Silva Lopes):

«Trata-se de prosseguir, não um, mas vários objectivos de interesse público, tantos quantas são as funções reconhecidas ao imposto: a da obtenção das receitas necessárias à efectivação das despesas públicas, de acordo com a qual cada indivíduo deverá pagar segundo a sua capacidade contributiva; a da regulação da actividade económica, sempre que o imposto seja utilizado como instrumento de políticas económicas conjunturais; e, por último, a de repartição da carga fiscal em harmonia com os princípios da equidade horizontal e da progressividade. Sucede que a adequada distribuição dos encargos tributários, tendo em vista a consecução de um ou de todos aqueles objectivos de interesse público, só pode alcançarse através da atribuição à Administração Fiscal de meios efectivos de controlo. Não será aceitável que o direito à privacidade tenha de ser protegido nos casos em que esteja a ser invocado para que algumas pessoas singulares ou colectivas possam escapar às obrigações fiscais cumpridas por outros contribuintes em situação semelhante» (apud Paula Barbosa, ob. cit., 1255, n. 43).

Estamos, pois, perante um relevantíssimo interesse público e, o que é mais, perante um interesse público a satisfazer de acordo com parâmetros constitucionalmente fixados. Em face da exigência primária de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e a realização dos fins do Estado social de direito, aos cidadãos é imposto, como encargo de cidadania, «o dever fundamental de pagar impostos». O modo de cumprimento desse dever e a estruturação do sistema fiscal que o enquadra estão submetidos a princípios, de tributação segundo a capacidade contributiva e de distribuição equitativa da carga fiscal, que visam, em último termo, assegurar a justiça fiscal.
No âmbito da tributação do rendimento, aceita-se hoje pacificamente, nas «sociedades bem ordenadas», que o modo eficiente de realizar estes objectivos assenta em que a matéria colectável seja determinada com base na declaração tributária do contribuinte (nas sociedades comerciais, com base no lucro apurado através da sua contabilidade).
Ora, na lógica do sistema de uma Administração fiscal de cunho predominantemente fiscalizador e de controlo, e na prossecução dos valores de justiça e equidade que informam a constituição fiscal, essa posição do contribuinte não pode deixar de ter como contrapartida o seu dever de cooperação, traduzido na apresentação, nos prazos fixados, da declaração de rendimentos e na sujeição do seu conteúdo à verdade