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17 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


material (cfr. Saldanha Sanches, Segredo bancário, segredo fiscal: uma perspectiva funcional, Fiscalidade, 21 (2005), 33 s., 37-40).
O princípio da tributação segundo a declaração do contribuinte tem, pois, como natural corolário, a possibilidade de controlo por parte da administração, sob pena de resultarem irremediavelmente frustrados aqueles objectivos e valores que moldam a «estrutura básica» (para empregarmos um conceito de John Rawls) da sociedade politicamente organizada.
A esse controlo não podem subtrair-se, de plano e sem mais, os elementos sobre o património e rendimentos do contribuinte em poder das instituições bancárias com quem ele está em relação, em particular os saldos e movimentações referentes a depósitos bancários. Atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do direito à privacidade.
O princípio da distribuição equitativa da carga fiscal capacita a administração para realizar uma investigação tributária que não pode ser limitada, em absoluto, pelo sigilo bancário. Mesmo num sistema, como o nosso, fortemente garantístico, em termos de direito comparado, não existe base constitucional para que os dados que, em princípio, estão cobertos pelo segredo constituam uma espécie de «reduto inacessível» ao poder inspectivo da administração fiscal. Ainda quando perspectivado como representando uma restrição a um direito fundamental, o acesso a esses dados está legitimado, em certas condições, pela vinculação das entidades públicas à preservação de outros bens constitucionalmente consagrados.

16.5 — Ponto é que, na modelação concreta do regime legal, se prevejam resguardos e se consagrem mecanismos que, na medida do compatível com o essencial dos objectivos que estão por detrás do levantamento do sigilo bancário, acautelem ainda, de certa maneira, os interesses cobertos pela tutela constitucional da privacidade.
Nos seus pressupostos e na sua forma processual e procedimental de exercício, a derrogação do sigilo deve obedecer a critérios que evitem uma pouco condicionada ou excessiva intromissão, para além do necessário à satisfação dos fins constitucionais que a ela presidem.
Como se escreveu no Acórdão n.º 602/2005 deste Tribunal:

«Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (…), e postando-se como necessário — e, quantas vezes para tanto como imprescindível — o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar impostos, a procura da consagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos citados direito e dever».

O que implica uma cuidada ponderação de eventuais meios alternativos, menos intrusivos, susceptíveis de conjugar harmonicamente ambas as exigências: as de tutela da privacidade e as de justiça e igualdade fiscais (cfr. Santamaria Pastor, Derecho a la intimidad, secretos y otras cuestiones innombrables, Revista española de derecho constitucional, n.º 15, 1985, 159 s., 171.
Para esse efeito, tendo as normas contidas no artigo 3.º do Decreto n.º 139/X, da Assembleia da República, conexionado a perda da reserva da privacidade com uma iniciativa procedimental ou processual do contribuinte, em defesa dos seus interesses, há que ajuizar se os princípios constitucionais que asseguram o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, com garantias de equidade procedimental e processual, foram ou não suficientemente acautelados. Eles próprios, em si mesmos, direitos fundamentais, com o estatuto dos direitos, liberdades e garantias, gozando, portanto, de valência autónoma, esses direitos servem à protecção de outros direitos, entre os quais o de reserva da privacidade.
Temos, pois, que fazer entrar, no campo valorativo, esses direitos e princípios, para apreciar se eles são afectados pela disciplina legal em concreto estabelecida.

17 — Na óptica do que fica dito, há que ajuizar se o regime que o n.º 3 do Decreto 139/X, da Assembleia da República, visa introduzir satisfaz ou não as exigências constitucionais garantísticas, quanto ao procedimento e ao processo administrativos.
Nesta matéria, o princípio primário é o do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º, particularmente no segmento que baseia a República Portuguesa «no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais». Esse princípio projecta-se no direito do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), o qual, por sua vez, no que respeita à relação cidadão-administração, encontra uma concretização particularizadora no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.