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15 | II Série A - Número: 130S1 | 7 de Setembro de 2007


da sua personalidade, só podem ser abrangidas situações subjectivas existenciais, sendo de rejeitar, à partida, a inclusão de aspectos patrimoniais, respeitantes ao ter da pessoa.
A isso há a contrapor que não é possível estabelecer, sobretudo nas sociedades dos nossos dias, uma separação estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial. A posição económica de cada um não deixa de ser uma projecção externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, também no plano pessoal, um interesse tutelável, e tutelável constitucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do conhecimento dos outros.
Não custa, assim, admitir «uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela» (Alberto Luís, Direito bancário, Coimbra, 1985, 88), como componente da mais geral esfera da privacidade.
No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se vulgarizou e massificou a realização de transacções através dos movimentos em conta, designadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito — o chamado «dinheiro de plástico» — propiciar um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respectivo titular.
É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indirectamente revelados, que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado.
Na verdade, como se disse no processo decidido pelo Tribunal Constitucional espanhol, pelo Acórdão n.º 110/1984, de 26 de Novembro, «uma conta-corrente pode constituir ‘a biografia pessoal em números’ do contribuinte» (apud Pisón Cavero, El derecho a la intimidade en la jurisprudencia constitucional, Madrid, 1993, 179). Através da análise do destino das importâncias pagas na aquisição de bens ou serviços, pode facilmente ter-se uma percepção clara das escolhas e do estilo de vida do titular da conta, dos seus gostos e propensões, numa palavra, do seu perfil concreto enquanto ser humano. O conhecimento de dados económicos permite, afinal, a invasão da esfera pessoal do sujeito, com revelação de facetas da sua individualidade própria — daquilo que ele é e não apenas daquilo que ele tem. Conhecimento que, por sua vez, e para além de tudo o mais, é susceptível de exploração económica (veja-se o florescente mercado de informações sobre dados dos consumidores), propiciando afinadas estratégias de marketing, frequentemente violadoras do direito à reserva, agora na sua veste de direito a estar só.
Conclui-se, assim, que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República.
Essa inclusão só é problemática em relação às pessoas colectivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal.

16.3 — Mas uma coisa é o âmbito de protecção, prima facie, de uma previsão de um direito fundamental, outra é o seu âmbito de garantia efectiva (cfr. Gomes Canotilho, Dogmática de direitos fundamentais e direito privado, in Ingo Sarlet (org.), Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2.ª edição, Porto Alegre, 2006, 341 s., esp. 346 s.).
Este só se recorta, neste caso, em resultado de um balanceamento entre os interesses e valores ligados à tutela da privacidade e os interesses, também constitucionalmente protegidos, com eles conflituantes.
Nessa ponderação, e na lição de Canaris (a propósito dos imperativos constitucionais de protecção, mas com considerações transponíveis, ao que julgamos, para uma metodologia geral da ponderação), há que levar em conta não só a relação hierárquica abstracta entre os bens em conflito, mas também «o peso concreto dos bens e interesses envolvidos» — cfr. Direitos fundamentais e direito privado, trad. port. de Ingo Sarlet e P.
Mota Pinto, Coimbra, 2003, 112 s. E, nesta ponderação contextualizada de interesses, não pode deixar de se dar relevo decisivo ao «nível do direito fundamental afectado» e ao grau da sua lesão.
Ora, o segredo bancário localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes.
Posição esta defendida no recente Acórdão n.º 42/2007 deste Tribunal, onde expressamente se afirma: «O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal» A susceptibilidade de «restrições (ao segredo bancário) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» foi, também, amplamente admitida pelo Acórdão n.º 278/95 deste Tribunal, logo após se ter considerado o sigilo bancário integrado no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada.