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14 | II Série A - Número: 027 | 10 de Setembro de 2011

É evidente que poderemos dizer: bom, então, isso vai permitir» Certamente que a lei penal nunca vai apanhar todos os criminosos. E assimilarmos esta ideia de relativização do Direito faz parte da essência do próprio Estado de direito. Nunca serão apanhados todos os criminosos. E isso é mau, mas pior é pretender apanhar todos os criminosos e acabar punindo e sancionando inocentes. Isto é que sempre a lei penal quis evitar, a lei penal baseada na modernidade, baseada nos princípios do humanismo e no respeito pelos valores fundamentais da dignidade humana. Isso é uma conquista da civilização, que não tem assim tantos anos e que devemos preservar e, sobretudo, aqui, não deixar que as legitimas preocupações do combate político, da luta política, do debate político, contaminem, façam perverter os princípios essenciais do direito criminal e sobretudo do processo penal.
Hoje, assistimos no Mundo, até de alguns dos mais ilustres pensadores da actualidade, como o Gunther Jakobs, que é um discípulo distintíssimo dessa grande figura do direito penal que foi o finalista Hans Welzel, ao surgir de uma teria sobre o direito penal do inimigo, que diz isto abertamente: há dois tipos de crimes, há dois tipos de criminosos, o criminoso cidadão e o criminoso inimigo. O criminoso‐ cidadão é aquele que, apesar de ter tido um comportamento desviante, ainda não rompeu o pacto de cidadania que estabeleceu com a sociedade e com o Estado, o criminoso‐ inimigo é aquele que rompeu esse pacto. E porquê? Porque a lei considera que determinados crimes praticados fazem romper esse pacto, como a grande criminalidade organizada, os tráficos diversos» (») Ora bem, isto ç perigosíssimo porque a lei diz que perante o outro criminoso‐ cidadão, sim, senhor, tem direito a todas as garantias tradicionais, tem direito a ser reeducado, o criminoso‐ inimigo é para ser abatido.
Bom, isto, para quem professa a teoria da segregação, pura e simples, e da eliminação, está bem. Para mim e para nós portugueses, para a nossa cultura – e lembro mais uma vez que nós fomos pioneiros na abolição da pena de morte e que é um orgulho que devemos alimentar –, acho perigoso porque é mais por razões politicas do que por necessidade ou por fundamentação criminógena, por uma discussão dos mestres do direito. Não é do debate no mundo do jurídico que sai a necessidade desta criminalização. É mais por razões políticas, mais por oportunidade política, mais porque se quer ir ao direito penal tipificar determinadas condutas que, a sê‐ lo, significariam derrogar um dos principais princípios do processo penal, que é o direito ao silêncio e, obviamente, a inversão do ónus da prova.
Ouvi, com muito pesar, alguns colegas meus e até magistrados a defender isso por razões políticas, com argumentos que, apesar de todo o respeito, considero imbuídos de algum primarismo político, como o facto de as pessoas terem de justificar se recebeu a herança da tia Joaquina, se lhe saiu o totoloto ou não quê.
O direito ao silêncio é um direito sagrado. A investigação criminal tem que investigar e apurar e tem que haver meios, tem que haver profundas reformas no sistema judicial, profundas reformas na magistratura que tutela a investigação criminal, que a façam estar ao serviço dos objectivos da investigação criminal e não de outros fins que não a investigação. Fique‐ se sempre com esta ideia: nunca vamos apanhar todos os criminosos. Mas isso, sendo mau, não é o pior, o pior é que, querendo apanhar todos os criminosos, acabemos por condenar alguns inocentes.»

11 — Professor Doutor Figueiredo Dias (Acta n.º 18, de 16 de Maio de 2010): «Sobre o tambçm famoso crime de enriquecimento político»Peço desculpa! Se fosse num tribunal americano, eu podia dizer «apaguem!», mas aqui não posso, enfim. Portanto, sobre o enriquecimento ilícito, vou dispensar‐ me de chamar a atenção para que são poucas ou quase inexistentes as concretizações noutros países desta forma de ilícito criminal. E dispensar‐ me‐ ei também de vos dizer por que pode perguntar‐ se: mas, como assim, se realmente a legislação de Bruxelas, em suma, veio, realmente, recomendar» Uma voz não identificada: ‐ A Convenção das Nações Unidas! O Sr. Prof. Figueiredo Dias: ‐ Sim, a Convenção das Nações Unidas, mas foi só um convite aos governos e não é para curarem, ao nível legislativo, ao nível da tal política criminal, em sentido amplo, mas para curarem de prevenir, realmente, enriquecimentos ilícitos.
A justificação político‐ criminal é, portanto, no fundo, a incongruência do património do funcionário porque, diz‐ se, algures nestes textos, «é um foco de grave perigosidade social». Bem, Sr.as e Srs. Deputados, o que é um foco de grave perigosidade social é o crime do qual, porventura, possa ter resultado um património incongruente, não é o património incongruente. Ou andamos nós, agora, a ver se os funcionários são ricos ou são pobres? Pois é ao funcionário, que, julgo, no fundo, que é para esse que está pensado, o que é mau, porque é o funcionário que tenha 1000 euros e, todavia, tem uma casa em Sintra. Ora, há funcionários que