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19 | II Série A - Número: 027 | 10 de Setembro de 2011

com perigo de aquele património ou modo de vida provir de vantagens obtidas pela prática de crimes cometidos no exercício de funções públicas, é punível com pena de prisão atç cinco anos‘.
Esta norma, a nosso ver, não consegue resolver o seu problema originário: foca-se no resultado, que nada tem de naturalmente ilícito (o enriquecimento, o modo de vida), abdicando do essencial: a perseguição do acto que efectivamente afecta o bem jurídico. A solução de que caberá ao Ministério Público demonstrar a ausência de proveniência lícita do património não resolve o problema, dada a natureza negativa dessa demonstração. O Ministério Público não poderá fazer mais do que, com recurso ao uso de uma fórmula genérica, afirmar que não detectou qualquer acto lícito que posa ter originado o património. Por consequência, sobre o arguido sempre incidirá o ónus de – perante um resultado que nada tem de ilícito – demonstrar a sua inocência, provando ele a origem lícita do eu enriquecimento. Tal contraria, a nosso ver, o princípio da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente.
Não se compreende como se pode prescindir da imputação e comprovação dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, para se perseguir a detenção de eventuais vantagens patrimoniais que eles eventualmente possam ter proporcionado.
Por outro lado, a perigosidade social não resulta da disparidade entre o património ou modo de vida e os rendimentos proporcionados pela função. A perigosidade reporta-se ao exercício e resultados funcionais do exercício da actividade pública, e não aos proventos que a concretização desse perigo gera. Isso não é mais que o resultado. E o que cabe prevenir é a acção.
Por outro lado, não se nos afigura que, a optar-se por uma tipificação penal, deva admitir-se, por referência ao mesmo, uma especial vulnerabilidade de testemunhas, que justifique outras perdas de garantias processual do arguido, tais como as que, designadamente ao nível da transparência do processo e da produção pública da prova, podem resultar da aplicação da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho.»

Dr.ª Maria José Morgado (DIAP Lisboa): Em documento entregue á C», na audição de 10 de Março de 2010, a Procuradora-Geral Adjunta Dr.ª Maria José Morgado aponta a incriminação do enriquecimento ilícito (sem causa) – nos termos do artigo 20.º da Convenção da ONU – ou controlo da riqueza dos titulares dos cargos políticos e do sector empresarial do Estado, como medida de combate à corrupção: «Esta proposta de neo-criminalização, parte do reconhecimento do fracasso geral dos resultados da luta contra a corrupção e da deficiência actual dos mecanismos preventivos. O reconhecimento das dificuldades de observância dos objectivos de política criminal, dos obstáculos aos mecanismos de prevenção e à eficácia dissuasora na aplicação da lei penal, tem levado os Estados, a novas medidas de incriminação no âmbito da criminalidade grave e complexa – foi o que sucedeu por exemplo, com a incriminação do branqueamento de capitais, que partiu do reconhecimento pelos Estados, da falência no combate eficaz à criminalidade grave, complexa, organizada e transnacional. Daí a necessidade de uma task force legislativa, no sentido de reforçar a protecção do bem jurídico protegido, em harmonia com as normas constitucionais.
Além disso, daria coerência dogmática ao sistema de justiça penal que, na Lei n.º 19/08, de 21 de Abril, prevê um instituto inconsequente de fiscalização das declarações de rendimentos, pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, após o termo dos mandatos ou a cessação de funções dos respectivos titulares. E ainda, na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, já prevê a perda de bens a favor do Estado, partindo da presunção juris tantum da proveniência criminosa, em caso de condenação pelos crimes de catálogo.
A conformação do direito penal como ultima ratio, a insuficiente protecção do bem jurídico consubstanciador da pureza das funções públicas e políticas e o que resultado do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, enquadra dogmaticamente este objectivo de política criminal.
Sem intuitos de usurpação legisladora (função para a qual não dispomos de formação ou de experiência, repetimos) sempre propomos o seguinte quadro de incriminação objectiva e subjectiva: Sempre que o titular de um cargo de funcionário público ou de cargo político aproveitar o exercício das funções ou por causa delas alcançar um incremento injustificado do seu património, tendo em conta o património de que era titular no início das funções e a remuneração dessas mesmas funções, agindo com conhecimento de que não tinha direito a tal incremento patrimonial, incorre no crime de enriquecimento ilícito –