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II SÉRIE-A — NÚMERO 157

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opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as

novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites

sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa

repercussão sobre o passado.

A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas – tomadas pelo legislador ordinário

no quadro da sua estrutural habilitação para rever opções antes tomadas por outros legisladores históricos –

façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir

genericamente que o legislador recorra a uma “técnica” de modelação da repercussão dos efeitos das suas

escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a

repercussão sobre o passado [das novas escolhas legislativas] pode assumir uma intensidade forte ou

máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de

lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca,

mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a

disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso,

designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legislativas como sendo de

«retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica», ou ainda, mais simplesmente, de «retrospetividade». Como

quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da

eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma

destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança

jurídica que decorre do princípio do Estado de direito.

É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que

seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de

direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder

estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à

retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na

liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos,

liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º,

n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela

qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente

na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de

direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.

Dito isto, resta concluir que o facto de não haver uma proibição constitucional explícita de, noutros casos,

se recorrer às formas graduais e muito variáveis de «retroatividade própria» ou «imprópria» não significa que o

recurso a qualquer uma destas formas esteja sempre e em qualquer circunstância à disposição do legislador

ordinário. O princípio segundo o qual o poder legislativo está genericamente habilitado pela Constituição a

atribuir às suas decisões, por diferentes formas e em diferentes graus, eficácia para o passado, conhece

limites. E estes decorrem da necessária convivência entre este princípio e o princípio do Estado de direito, na

sua dimensão de «segurança jurídica».

22. O método a adotar na resolução deste específico problema constitucional, decorrente da necessária

conciliação entre o princípio democrático, que sustenta a autorrevisibilidade das leis, e o princípio do Estado

de direito, que sustenta os limites impostos a esta autorrevisibilidade por exigências de segurança jurídica, foi

explicitado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 287/90. Aí se disse que, especialmente nos casos em

que o problema se apresenta com contornos mais delicados – e que são aqueles em que ocorre a chamada

«retroatividade imprópria ou inautêntica», também designada como «retrospetividade», nos quais a norma

jurídica nova, conquanto pretenda ter efeitos só para o futuro, incide sobre relações jurídicas já existentes,

constituídas ao abrigo de Direito anterior – haveria que ponderar. E que a ponderação deveria ser feita entre o

peso a dar à “confiança” e “boa-fé” dos cidadãos, que legitimamente contavam ou esperavam a manutenção

da disciplina jurídica ao abrigo da qual a sua situação, perante o Direito, fora anteriormente definida, e o peso

a dar às razões pelas quais as alterações legislativas vinham «afetar» as suas expectativas legítimas. Mais se

concluiu que o resultado da ponderação só poderia ser favorável a estas últimas expectativas, reconhecendo-

lhes uma superior consistência ou um maior peso relativamente ao segundo índice a ponderar, naqueles