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II SÉRIE-A — NÚMERO 107

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III. Enquadramento legal e doutrinário e antecedentes

O artigo 62.º n.º 1 da Constituição consagra o direito de propriedade privada postulando que «a todos é

garantido o direito à propriedade privada (…) nos termos da Constituição». Para Gomes Canotilho e Vital

Moreira o alcance da norma constitucional é maior do que à partida pode parecer, uma vez que se «trata de

sublinhar que o direito de propriedade não é garantido em termos absolutos mas sim dentro dos limites e com

as restrições previstas e definidas noutros lugares da Constituição (e na lei, quando a Constituição para ela

remeter ou quando se trate de revelar limitações constitucionalmente implícitas)»20. Também para Jorge

Miranda e Rui Medeiros «a garantia da propriedade privada, tal como resulta do artigo 62.º, não significa, de

modo algum, que o legislador constitucional português consagre este direito fundamental em termos

absolutos. (…) A afirmação de que o direito de propriedade privada é garantido ‘nos termos da Constituição’

revela bem o carácter inegavelmente relativo do direito fundamental de propriedade», sendo «neste contexto

que se insere a chamada função social da propriedade, como conceito síntese dos múltiplos limites estruturais

que aquela comporta»21.

Por outro lado, a Constituição determina no seu artigo 65.º, n.º 1 que «todos têm direito, para si e para a

sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a

intimidade pessoal e a privacidade familiar». O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que para «assegurar o direito

à habitação, incumbe ao Estado, nomeadamente, programar e executar uma política de habitação inserida em

planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de

uma rede adequada de transportes e de equipamento social; promover, em colaboração com as regiões

autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; estimular a

construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada e

incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos

problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução». O n.º 3 do

mesmo artigo consagra que «o Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda

compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria».

Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que o direito à habitação, para além da natureza prestacional

imposta ao Estado por via constitucional apresenta também como outros Direitos Económicos Sociais e

Culturais uma natureza negativa, isto é, o direito de não ser arbitrariamente privado de habitação ou de não

ser impedido de conseguir uma. Daí que incumba ao Estado e a terceiros um dever de abstenção, análogo

aos Direitos, Liberdades e Garantias22.

O referido artigo 65.º da Constituição reconhece o direito de todos a habitar uma «morada digna, onde cada

um possa viver com a sua família» ou, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, «proporcionada ao

número dos membros do respetivo agregado familiar, por forma a que seja preservada a intimidade de cada

um deles e a privacidade da família no seu conjunto; uma morada que além disso, permita a todos viver em

ambiente fisicamente sadio e que ofereça os serviços básicos para a vida da família e da comunidade».23

De mencionar, também, os artigos 70.º e 72.º da Lei Fundamental que estipulam, respetivamente que «os

jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais,

designadamente, no acesso à habitação e que as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a

condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e

superem o isolamento ou a marginalização social».

A Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o «Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)»24 25

revogou o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de

20 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 801. 21 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2010, pág. 1254. 22 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 833-834. 23 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2010, pág. 1326. 24 Texto consolidado retirado da base de dados DataJuris, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Declaração de Retificação n.º 24/2006, de 17 de abril, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro, e pelas Leis n.º 79/2014, de 19 de dezembro, n.º 80/2014, de 19 de dezembro, n.º 42/2017, de 14 de junho, e n.º 43/2017, de 14 de junho. 25 Recomenda-se a leitura das normas transitórias inseridas respetivamente no artigo 11.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, e artigo 6.º da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro.