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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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profissionais de saúde na morte de uma pessoa a seu pedido, a qual, até à data, é sempre punível, nos termos

dos artigos 134.º e 135.º do Código Penal (ou, porventura, em função das circunstâncias do caso, mesmo dos

artigos 131.º e 133.º do mesmo Código). O fim precípuo do legislador, pelo menos no tocante à norma do

artigo 2.º, n.º 1, do citado Decreto, foi o de deixar de punir tal colaboração, desde que realizada por

profissionais de saúde com observância de determinadas condições materiais e procedimentais, libertando-os,

desse modo, do dever de não matar ou de não ajudar ao suicídio de terceiros. Ou seja, e agora na perspetiva

de quem deseja morrer: o direito a uma morte medicamente assistida nas condições legalmente previstas –

direito esse que também é conferido pelo diploma em análise – implica excluir a punibilidade dos profissionais

de saúde que, nessas mesmas condições, matem ou colaborem na morte da pessoa que exerceu tal direito.

Na perspetiva do requerente, dir-se-á que a prática da antecipação da morte medicamente assistida, tal

como prevista no referido artigo 2.º, n.º 1, é considerada não punível desde que se mostrem respeitados

determinados pressupostos, entre eles, a «situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de

gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal». Porém, atendendo ao

significado objetivo de tal prática – matar alguém a seu pedido ou ajudar alguém a suicidar-se – a discussão

das condições concretas ou dos pressupostos da mesma prática só tem sentido – e só tem utilidade –, caso a

mesma não seja, desde logo, e de per si, incompatível com a Constituição, nomeadamente com o disposto no

seu artigo 24.º, n.º 1. A antecipação da morte medicamente assistida, pela sua própria natureza, contende

obviamente com o valor da vida humana afirmado nesse preceito, pelo que tal questão, além de incontornável,

é prévia a todas as demais expressamente colocadas pelo requerente (e isto, independentemente da extensão

atribuída no caso concreto ao objeto do pedido).

15. A alternativa entre a prática ou ajuda à morte medicamente assistida não punível convoca, ao menos

implicitamente, diferentes conceitos em regra associados à temática que o legislador entendeu regular – a

decisão de uma pessoa pôr termo à vida, com o envolvimento de outra pessoa, que a ajuda a praticar o ato

que provoca a morte ou pratica tal ato – evitando as expressões mais usuais para referir os conceitos de ajuda

à morte (Sterbehilfe) ou eutanásia, frequentemente discutidos e analisados no domínio do direito penal. Trata-

se de realidades muito diferenciadas cujo «núcleo semântico» se prende «com a ideia de proporcionar uma

boa morte ou uma morte suave a quem se encontra numa fase terminal da vida, acometido por doença

incurável e numa situação de profundo sofrimento» (assim, v. Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva in Jorge

Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010,

anot. XXVII ao artigo 24.º, p. 530; no mesmo sentido fundamental, v. Figueiredo Dias, «A ‘ajuda à morte’: uma

consideração jurídico-penal» inRevista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 137.º, Ano 2007-2008, n.º 3949

(março-abril de 2008), pp. 202 e ss., p. 203).

Esta perspetiva é confirmada pelos cinco projetos de lei que integraram o procedimento legislativo que

culminou na aprovação do Decreto n.º 109/XIV:

– O Projeto de Lei n.º 4/XIV/1.ª, apresentado pelo Bloco de Esquerda, tinha por objeto definir e regular as

condições em que a antecipação da morte por decisão da própria pessoa (com lesão definitiva ou doença

incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável), quando praticada ou ajudada por profissionais de

saúde, não é punível (artigos 1.º e 8.º, n.º 2);

– O Projeto de Lei n.º 67/XIV/1.ª, apresentado pelo PAN, tinha por objeto regular o acesso à morte

medicamente assistida, «na vertente de eutanásia e suicídio medicamente assistido» (cfr. artigos 1.º e 12.º);

– O já mencionado Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Socialista, visava regular as

condições especiais em que a prática da eutanásia não é punível (artigo 1.º), abrangendo no conceito de

eutanásia a prática e a ajuda à antecipação da morte («considera-se eutanásia não punível a antecipação da

morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou

doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde» – cfr. o artigo 2.º, n.º 1);

– O Projeto de Lei n.º 168/XIV/1.ª, apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes», visava regular as

condições e os procedimentos específicos a observar nos casos de morte medicamente assistida e alterar o

Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida (artigo 1.º, n.º 1), consistindo a morte

medicamente assistida na administração de fármacos por médico ou pelo próprio doente sob vigilância

médica, configurando este caso o suicídio medicamente assistido [artigo 3.º, n.º 2, alíneas a) e b)];