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16 DE MARÇO DE 2021

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escrito, mas na presença de uma ou mais testemunhas, devidamente identificadas no RCE (artigo 9.º, n.º 3).

Esta exigência de comunicação ao médico orientador – e, bem assim, de documentação num registo de

natureza pública como o RCE – da vontade de manter a decisão inicial de antecipar a própria morte comprova

a interação necessária do interessado com os terceiros que intervêm, sempre numa base em que a respetiva

consciência é salvaguardada por via do direito à objeção de consciência (cfr. o artigo 20.º), ativamente na

antecipação da morte e com o próprio Estado. Este, por intermédio da CVA e da IGAS, assume uma função de

garante de que todas e cada uma das condições previstas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto é respeitada, desde

a formulação do pedido inicial até à prática do ato de antecipação da morte. Isto, naturalmente, sem prejuízo

do Estado também poder desempenhar o papel de prestador de tal serviço no quadro do Serviço Nacional de

Saúde, conforme previsto no artigo 12.º, n.º 2.

20. Numa tentativa de síntese expressiva, o Decreto n.º 109/XIV, através da projeção densificadora

consequencial da realidade definida no respetivo artigo 2.º, n.º 1, compreendido este no contexto normativo

completo anteriormente descrito, cria e enquadra – legaliza, para usar o conceito que enquadrou o debate

público travado a este respeito –, organiza socialmente (para usar uma expressão de Gustavo Zagrebelsky –

v. infra), a prática da eutanásia e do suicídio assistido. Correspondendo qualquer das situações à causação da

morte a pedido do próprio, distinguem-se, como referido, pelo domínio sobre o ato que de forma imediata e

irreversível produz a morte (cfr. supra o n.º 17, in fine).

Esta distinção materializa-se, no percurso conducente à morte estabelecido no Decreto n.º 109/XIV, no

artigo 8.º, concretamente no seu n.º 2, que assim dispõe:

«Artigo 8.º

Concretização da decisão do doente

1 – Mediante parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina

o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte.

2 – O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a

antecipação da morte, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a

administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito mas sob supervisão

médica, sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente. […]».

E vale, na concretização do passo definitivo final, a designada administração dos fármacos letais, previsto

no artigo 9.º, n.º 2: «[i]mediatamente antes de se iniciar a administração ou autoadministração dos fármacos

letais, o médico orientador deve confirmar se o doente mantém a vontade de antecipar a sua morte […]».

Deste modo, a distinção entre eutanásia e suicídio assistido assenta no elemento, referido ao paciente,

heteroadministração e autoadministração da substância que vai produzir a morte. Antes de se alcançar esse

momento ocorre uma decisão do paciente, finalisticamente destinada a obter a sua própria morte, por via de

um procedimento de autorização (pelo Estado) desse desfecho (nas duas formas de concretização antes

referidas) que é condicionado à verificação das condições elencadas no artigo 2.º, n.º 1.

Ou seja, em vista da causação (antecipação, na terminologia legal) da sua morte, a «decisão da própria

pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida», encontrando-se a mesma

pessoa «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o

consenso científico ou doença incurável e fatal», é apta, enquadrada num determinado procedimento

legalmente estabelecido (n.º 3 do preceito), a originar um ato de cariz autorizativo – embora sempre referido

como parecer favorável –, protagonizado pela CVA, ato esse que habilita profissionais de saúde a praticarem

diretamente ou a ajudarem a ocorrência do resultado final traduzido na morte do doente (v. o trecho final do

artigo 2.º).

No fulcro da opção legislativa feita pelo Decreto n.º 109/XIV, encontra-se a criação de um procedimento

geral de enquadramento de pretensões de morte medicamente assistida, em função do qual se cria um grupo

de destinatários – aqueles que preencham as condições definidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto – elegíveis

para a prática, sob tutela (de legalidade) do Estado, da eutanásia ou do suicídio assistido.