O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 97

22

21. A referida opção legislativa, consagrada nos seus traços essenciais no artigo 2.º, n.º 1, do mencionado

Decreto, reporta-se, assim, na sua substância, a montante da incidência jurídico-penal (que releva apenas

consequencialmente como decorrência da instituição daquele procedimento), a uma categoria de práticas de

fim de vida que, a par de outras diversas que não relevam para a análise da norma em causa (como a

distanásia ou a ortotanásia), «se referem a provocar intencionalmente a morte – pelo próprio e/ou por terceiro

(em que se incluem a eutanásia voluntária ativa direta e o suicídio ajudado) – relativas à administração

deliberada de substâncias letais» (assim, Lucília Nunes, Luís Duarte Madeira e Sandra Horta e Silva, Suicídio

ajudado e eutanásia [Morte provocada a pedido] – Terminologia e sistemática de argumentos. Working Paper,

Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, 2018 [atualização janeiro de 2020], p. 7). No núcleo de

tal opção encontra-se, pois, a consagração no ordenamento jurídico de certas práticas de fim de vida,

manifestando o Decreto n.º 109/XIV a opção do legislador não só de as descriminalizar, em certas condições

(por via da mera não punibilidade de condutas que, não fora essa opção, permaneceriam puníveis), mas de as

regular – e, assim, de as legalizar – no quadro (e apenas no quadro) de um procedimentoadministrativo

autorizativo e de execução que o próprio Estado institui e regula em todas as suas fases e com intervenção

(não apenas, mas sempre) de entidades de natureza pública.

No que releva de tal opção legislativa, assumem lugar central os conceitos de eutanásia ativa direta (ou

ajuda à morte ativa direta) e o suicídio ajudado ou assistido – que, no regime em apreço, só se diferenciam

num elemento muito particular e, porventura, de menor relevo: aquele que detém o controlo da ação e pratica,

efetivamente, o ato de antecipação da morte mediante a utilização (autoadministração ou heteroadministração,

consoante o caso) de fármacos letais, para mais, e como mencionado, por «decisão da exclusiva

responsabilidade» daquele que é morto com tais fármacos (artigo 8.º, n.º 2). No primeiro caso – eutanásia

direta ativa –, o domínio da ação no último momento pertence ao profissional de saúde que pratica o ato de

antecipação da morte, administrando (à pessoa que decidiu a antecipação da sua morte) um fármaco letal; no

segundo – suicídio assistido ou ajudado –, o domínio da ação em tal momento como que é materialmente

repartido entre pessoa que decide a antecipação da sua morte, e quem a ajuda na prática do ato de

autoadministração do fármaco letal. Bem se pode dizer, portanto, que o procedimento clínico e legal instituído

pelo Decreto n.º 109/XIV no âmbito do qual se desenvolve a morte medicamente assistida pressupõe uma

intervenção ativa e decisiva dos profissionais de saúde: sem a colaboração destes e sem o quadro legal-

procedimental em que a mesma tem lugar, a antecipação da morte medicamente assistida não é lícita e

continua a ser punível criminalmente. Por isso, tal quadro tende, em substância, a aproximar a ajuda à

antecipação da morte medicamente assistida de alguém a seu pedido mais da eutanásia ativa direta – a

prática por profissionais de saúde dos atos necessários à antecipação da morte dessa pessoa, com a exceção

do ato material de administração do fármaco letal –; e a afastá-la de um suicídio verdadeiramente autónomo e

meramente assistido ou ajudado (cfr. supra o n.º 17, in fine).

22. Confirmado que a regulação concreta da antecipação da morte medicamente assistida pelo Decreto n.º

109/XIV a integra no horizonte problemático da eutanásia em sentido amplo (e também em sentido próprio, de

modo a abranger tão-só a colaboração voluntária na morte de uma pessoa a seu pedido por razões de

compaixão, de humanidade ou de solidariedade e com o intuito de proporcionar uma morte tranquila a quem

se encontra numa situação de profundo sofrimento – excluindo, por isso, fenómenos como a eutanásia

eugénica), torna-se incontornável discutir se a opção legislativa consagrada no respetivo artigo 2.º, n.º 1, se

compatibiliza ou não com o direito à vida afirmado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, pois que praticar a

antecipação da morte de alguém, mesmo a seu pedido, ou ajudar alguém a antecipar a sua própria morte

implica necessariamente fazer com que essa pessoa morra ou contribuir decisivamente para a sua morte.

Por outras palavras, perante a alternativa resultante da opção legislativa em causa no artigo 2.º, n.º 1, do

Decreto n.º 109/XIV entre a prática da ou ajuda à morte medicamente assistida não punível – verificados os

pressupostos, cumulativos (ou alternativos previstos igualmente no n.º 1 do artigo 2.º –, não pode deixar de ser

considerado, ao equacionar a conformidade constitucional da norma constante de tal artigo, o parâmetro

constitucional relativo ao direito à vida.