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16 DE MARÇO DE 2021

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especiais – que devam ser efetivamente consideradas em contextos consistentemente desafiantes em que os

pressupostos da absolutização – a «libertação» de quaisquer condições ou espaços de ponderação – são

testados ao limite, exigindo respostas nem sempre acomodáveis à projeção de uma rigidez levada ao

paroxismo.

Na verdade, como tem sido sublinhado, a «posição original que o direito à vida ocupa entre os demais

direitos» também constitui uma fonte de dificuldades que não se deixam resolver pela mera «afirmação da

aplicabilidade direta do artigo 24.º, associada à crença (quase se diria ingénua) na exequibilidade da norma

constitucional em causa» (cfr. Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Constituição…, cit., anot. IV ao artigo

24.º, p. 502). Tal direito, para além da sua dimensão subjetiva – «o direito de não ser morto, de não ser

privado da vida» –, tem associado um «conteúdo objetivo da proteção do bem da vida humana [que] implica,

de forma incontornável, o reconhecimento do dever de proteção do direito à vida, quer quanto ao conteúdo e

extensão, quer quanto às formas e meios de efetivação desse dever» (assim, v. Gomes Canotilho e Vital

Moreira, Constituição…, cit., anots. I e III ao artigo 24.º, p. 447). Ora, é no plano da atuação deste dever – que

é de promoção e proteção – nos diversos domínios do agir humano que frequentemente surge a necessidade

de compromissos e de concordâncias práticas justificativa de margens de liberdade de conformação legislativa

mais ou menos amplas (nesse sentido, Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, ibidem; Gomes Canotilho e Vital

Moreira, no local cit., referem também as «delicadas questões relacionadas com a autonomia da pessoa»,

exemplificando com o «direito ao corpo», o suicídio, a colocação da vida em perigo, o consentimento de

tratamentos médicos ou a «liberdade de morrer»). A eutanásia e o suicídio medicamente assistido são dois

campos problemáticos em que tal tensão se torna particularmente visível e aguda, como é evidenciado pelas

experiências de direito comparado e pela jurisprudência, seja de tribunais constitucionais, seja de tribunais

internacionais.

27. Com efeito, independentemente das formulações mais ou menos expressivas, a verdade é que o direito

à vida é objeto de um reconhecimento jurídico universal. Mas esta universalidade não impede a consagração

de soluções muito diferenciadas quanto à matéria da morte medicamente assistida.

No plano do direito comparado, é possível encontrar três grandes tendências: i) a despenalização e a

regulação expressa da eutanásia ativa e, ou, do suicídio assistido (Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo,

Canadá, alguns Estados dos Estados Unidos da América, Colômbia, Estado australiano da Victória e Nova

Zelândia); ii) a tolerância relativamente ao suicídio assistido, sem que lhe seja conferida uma regulação legal

expressa (Alemanha, Itália, Suíça); e iii) a proibição da eutanásia ativa e do suicídio assistido (v.g. França e

Reino Unido, entre muitos outros).

27.1. Atualmente, no continente europeu, apenas nos três Estados do Benelux vigora legislação que

despenaliza e regula a eutanásia ativa e, ou, o suicídio assistido. A legislação foi criada em 2002 (nos Países

Baixos e na Bélgica) e em 2009 (no Luxemburgo). Em Espanha, o Congresso dos Deputados aprovou, em 17

de dezembro de 2020, uma proposta de lei orgânica sobre a regulação da eutanásia, e que se encontra em

apreciação no Senado, a qual contempla a legalização e a regulação da eutanásia (ativa e direta) e o suicídio

assistido, sob a denominação de prestação de ajuda para morrer – configurada como um direito a solicitar e a

receber tal prestação.

Os Países Baixos, em abril de 2002, tornaram-se no primeiro Estado a nível europeu a despenalizar e a

regular a eutanásia ativa e o suicídio assistido, na sequência da entrada em vigor da Lei sobre o Termo da

Vida a Pedido e Suicídio Assistido (Procedimento de Avaliação), aprovada em abril de 2001. Esta lei introduziu

alterações aos artigos do Código Penal que criminalizavam o homicídio a pedido e a ajuda ao suicídio (artigos

293.º e 294.º) procedendo à despenalização destas condutas, quando praticadas por um médico de acordo

com o regime nela previsto.

A aprovação da lei em causa constituiu o culminar de um longo debate que se verificou durante várias

décadas na sociedade holandesa, particularmente impulsionado por vários casos mediáticos discutidos na

jurisprudência. Efetivamente, desde o início da década de 70 que os tribunais holandeses tinham vindo a

demonstrar abertura a situações de eutanásia ativa e de suicídio assistido, tendo começado por aplicar

sanções penais simbólicas aos agentes deste tipo de crimes e passado, numa segunda fase, a excluir a sua

responsabilidade penal através da aplicação da figura do estado de necessidade. Nessa medida, a

despenalização e regulação da eutanásia ativa e do suicídio assistido por via legal não constituiu propriamente