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16 DE MARÇO DE 2021

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obrigações estaduais positivas de proteção decorrentes do direito à vida consagrado no artigo 2.º da CEDH,

na parte em que vinculam os Estados a proteger as pessoas vulneráveis contra decisões tomadas por si

próprias que possam colocar em risco as suas vidas; e iv) os Estados beneficiam de uma ampla margem de

apreciação para fazer essa ponderação, devido ao facto de estarem em causa problemas éticos, científicos e

jurídicos relativos ao fim da vida e de não existir um consenso entre os Estados membros do Conselho da

Europa nesse domínio.

Ao referido acervo devem somar-se as já mencionadas decisões do Bundesverfassungsgericht e do

Verfassungsgerichtshof (cfr. supra o n.º 15), que, assumindo a existência nas respetivas ordens jurídicas de

um direito fundamental a uma morte autodeterminada, censuraram, como desproporcionadas, o que

entenderam ser regulamentações restritivas de tal direito, a propósito de soluções legais incriminadoras de

formas determinadas de apoio ao suicídio (caso alemão) ou mesmo incriminadoras de tal ato (caso austríaco).

E, bem assim, ainda que numa perspetiva diversa, porquanto acentua a relativa fluidez das fronteiras entre

eutanásia passiva e eutanásia ativa, duas importantes decisões da Corte Costituzionale italiana com origem no

caso Cappato – a Ordinanza 207/2018 (Cappato) e a Sentenza 242/2019.

27.3. Cumpre referir ainda que outras fontes, de direito internacional, universal e regional, existem e que

igualmente se reportam ao direito à vida e ao direito ao respeito da vida privada e familiar. Tal é o caso de

fontes adotadas no quadro do Conselho da Europa e da Organização das Nações Unidas (ONU).

No âmbito do Conselho da Europa refiram-se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da

Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina (usualmente designada por

«Convenção de Oviedo»), celebrada em 1997 e entrada em vigor em 1999 (artigos 1.º, 5.º e 6.º); a

Recomendação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa 1418 (1999), relativa à proteção dos

direitos humanos e dignidade dos doentes terminais e moribundos e a sua Resolução 1859 (2012), relativa à

proteção dos direitos humanos e da dignidade dos pacientes através da consideração dos seus desejos

previamente expressos (Parliamentary Assembly, Recommendation 1418 (1999), «Protection of the human

rights and dignity of the terminally ill and the dying e Parliamentary Assembly, Resolution 1859 (2012),

«Protecting human rights and dignity by taking into account previously expressed wishes of patients).

No âmbito da ONU, merecem referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto

Internacional dos Direitos Políticos e Cívicos (PIDPC) – os quais garantem o direito à vida e o direito à reserva

da vida privada nos artigos 3.º e 12.º e nos artigos 1.º e 17.º, respetivamente. O Comité de Direitos Humanos

da ONU teve já a oportunidade de se pronunciar sobre o regime jurídico de alguns Estados-Membros que

despenalizaram a eutanásia e, ou, o suicídio assistido no âmbito das avaliações periódicas relativas à

implementação do PIDPC. Este foi, desde logo, o caso dos Países Baixos, que têm vindo a ser

particularmente alertados para a necessidade de instituírem um procedimento de controlo prévio à realização

de procedimentos de morte assistida.

28. O teor da consagração do direito à vida na Constituição portuguesa – a vida humana é inviolável –

torna facilmente apreensível que aquele direito não tem uma dimensão negativa: ao direito de viver (e,

portanto, de não ser morto) não se contrapõe um direito a morrer ou a ser morto (por um terceiro ou com o

apoio da autoridade pública), um direito a não viver ou um direito de escolha sobre continuar ou não a viver

(cfr. neste sentido o Acórdão do TEDH [Sec.], de 29 de abril de 2002, Pretty c. Royaume-Uni, Queixa n.º

2346/02, §§ 39-40).

Não se pode excluir, todavia, que um tal direito não possa resultar da liberdade de cada um se

autodeterminar, em função do seu projeto pessoal de vida (cfr., de novo, o caso Pretty c. Royaume-Uni, §§ 65

e 67, e a demais jurisprudência do mesmo Tribunal adiante citada), impondo um limite ao próprio dever

estadual de proteção da vida decorrente do artigo 24.º, n.º 1. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira,

a «proteção da vida humana, enquanto valor em si, independentemente da sua subjectivização pessoal,

levanta ainda o problema de saber se o dever de a proteger se impõe ao próprio indivíduo (dever de viver),

negando assim um direito ao suicídio […]. Trata-se de saber se a vida, como base e expressão da existência

humana, está na disponibilidade do próprio titular» (v. Autores cits., Constituição…, cit., anot. VII ao artigo 24.º,

p. 450).

Na ordem jurídica portuguesa, os valores da liberdade geral de ação e da capacidade de autodeterminação

individual encontram-se particularmente refletidos no direito fundamental ao desenvolvimento da