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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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necessariamente ao Incitamento ou ajuda ao suicídio. Trata-se, na verdade de ações distintas, com distintos

sentidos, horizontes e sistemas de referência. O suicídio esgota o sentido no desempenho auto-referente e

autopoiético da pessoa, não pertencendo ao sistema social […]. Já o auxílio ao suicídio assume uma

irredutível valência sistémico-social: independentemente da singularidade da sua trajetória, esta ação projeta-

se sobre a vida de outra pessoa. ‘As interferências de terceiros no suicídio, incitando ou auxiliando, não só

produzem uma relação intersubjetiva, que é pressuposto de todo o ilícito, como se tornam socialmente

desvaliosas’ (Silva Dias, Crimes contra a vida 67). Dito noutros termos, a interferência do terceiro converte o

facto num facto pertinente ao sistema social, estando como tal, exposto aos seus códigos e valorações. Sendo

assim, uma vez que quem é punido por incitamento ou ajuda ao suicídio, não é punido ‘acessoriamente’ por

ilícito de terceiro, mas por ilícito próprio, fica infirmada a conhecida e recorrente objeção de que a punição da

ajuda ao suicídio criminaliza uma participação num facto principal não punível’ (Kubiciel, JZ 2009 608 […]. Por

maioria de razão, não pode considerar-se fundada a objeção daqueles que estigmatizam a incriminação como

mero reflexo de tabu e moralismo […]» (Autor cit., Comentário Conimbricense, cit., «Comentário ao artigo

135.º», § 11, pp. 138-139).

Do ponto de vista jurídico, a relevância ou projeção social da ajuda ao suicídio tem como reverso a sua

sujeição às preocupações sociais e às medidas dimanadas em vista da proteção e promoção dos valores

acolhidos na ordem constitucional.

30. A singularidade constitucional da dimensão subjetiva do direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1,

da Constituição, assente em considerações de ordem literal e histórica e, outrossim, de natureza jurídico-

sistemática – o direito à vida, recorde-se, é «o primeiro dos direitos fundamentais» e constitui «o pressuposto

fundante de todos os demais direitos fundamentais» (assim, Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, cits. anot.

I, p. 501) ou é «um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais»; «o direito à

vida é material e valorativamente o bem […] mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem

jurídico-constitucional no seu conjunto» (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit., anot. I

ao artigo 24.º, pp. 446-447) – determinam-lhe um valor objetivo de não menor relevo, enquanto «princípio

estruturante de um Estado de Direito alicerçado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º)» (v. aqueles

primeiros Autores, ibidem; cfr. também supra os n.os

24, 25 e 26).

Um tal direito implica, assim, necessariamente, o reconhecimento de um exigente dever para o Estado, e

em particular para o legislador, de proteger e promover a vida humana. Em relação a esta, o Estado de direito

democrático não é neutro nem pode ser indiferente, sob pena de negar um dos seus fundamentos e de

comprometer a possibilidade de respeitar e fazer respeitar e, bem assim, de garantir a «efetivação dos [outros]

direitos e liberdades fundamentais» (cfr. o artigo 2.º da Constituição).

De resto, e sem prejuízo de distintos acentos tónicos e de distintas concretizações que no desenvolvimento

destas premissas se possam colocar em função dos diferentes contextos normativos, o TEDH também já as

reconheceu e sublinhou devidamente a respetiva importância. Assim, por exemplo, no caso Haas c. Suisse,

cit., considerou que a CEDH deve ser lida como um todo, daí resultando a necessidade de considerar, também

no quadro de uma eventual violação do artigo 8,º «o artigo 2.º da Convenção, que impõe às autoridades o

dever de protegerem as pessoas vulneráveis, defendendo-as dos seus comportamentos que ameacem a sua

própria vida», porquanto «aquela disposição obriga as autoridades nacionais a impedirem um indivíduo de pôr

termo à vida nos casos em que a sua decisão não seja tomada de forma livre e com conhecimento de todas as

circunstâncias» (§ 54; no mesmo sentido, v. o Acórdão [Tribunal Pleno] de 5 de junho de 2015, Lambert et

autres c. France, Queixa n.º 46043/14, §§ 136 e ss., em especial o § 142; e o Acórdão (Sec.) de 22 de

novembro de 2016, Hiller v. Austria, Queixa n.º 1967/14, § 49). No caso Lambert, o TEDH afirmou igualmente:

«117. O Tribunal recorda que a primeira frase do artigo 2.º [– o direito de qualquer pessoa à vida é

protegido pela lei –], que se encontra entre os artigos primordiais da Convenção, na medida em que consagra

um dos valores fundamentais das sociedades democráticas que constituem o Conselho da Europa […], impõe

ao Estado não apenas que se abstenha de causar a morte «intencionalmente» (obrigações negativas), mas

também que tome as medidas necessárias à proteção da vida das pessoas sob a sua jurisdição (obrigações

positivas).