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16 DE MARÇO DE 2021

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delegação do poder de interpretar esses conceitos, que ao legislador competiria densificar, seria vedada pelo

artigo 112.º, n.º 5, da Constituição.

35. Preliminarmente, importa recordar que a antecipação da morte medicamente assistida não punível

prevista no artigo 2.º, n.º 1, do citado Decreto só pode ocorrer na sequência de um procedimento clínico e

legal formalizado em que intervém com poder autorizativo a CVA. Substancialmente, o seu parecer favorável

corresponde a uma autorização permissiva que, como tal, possibilita a passagem à fase de concretização da

decisão do doente (cfr. os artigos 7.º, n.º 4, e 8.º). O direito à antecipação da morte preexiste nas condições

definidas no referido artigo 2.º, n.º 1; não é conferido por tal parecer (que, por isso, não corresponde a uma

«licença para matar»). Assim, caso não se encontrem reunidas as condições previstas nesse preceito, os

pareceres – todos eles, incluindo o da CVA – não podem ser favoráveis; caso contrário, os mesmos pareceres

devem ser favoráveis. Perante um parecer favorável da CVA, os profissionais de saúde que efetivamente

antecipem ou colaborem na antecipação da morte de alguém deixam de poder ser perseguidos criminalmente

apenas com base nesse facto, a menos que violem alguma norma respeitante à concretização da decisão do

doente ou à administração dos fármacos (v., respetivamente, os artigos 8.º e 9.º do Decreto n.º 109/XIV). Seria

o caso, por exemplo, de não respeitarem a vontade expressa do doente ou de prosseguirem com o

procedimento mesmo depois daquele ter ficado inconsciente antes da data marcada para a antecipação da

morte.

Deste modo, a não punibilidade prevista nos novos n.os

3 aditados aos artigos 134.º e 135.º do Código

Penal pelo artigo 27.º do Decreto n.º 109/XIV deve ser apreciada em função das condições para a emissão

dos pareceres previstas no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo normativo (sendo certo que é em relação a algumas

dessas condições que a conformidade constitucional daquela norma é questionada pelo requerente); e não

inversamente (cfr. supra o n.º 21). Aliás, no respeitante ao artigo 27.º do citado Decreto, a

inconstitucionalidade imputada é meramente consequencial.

Os pressupostos da emissão dos diferentes pareceres, constam do artigo 2.º, n.º 1. E, como mencionado, é

relativamente à determinabilidade dos conceitos utilizados para enunciar alguns desses pressupostos que o

requerente levanta dúvidas. Significa isto, que tais dúvidas devem ser esclarecidas por referência aos

parâmetros constitucionais aplicáveis às normas disciplinadoras da atividade restritiva ou reguladora de

direitos fundamentais – e que constitui matéria de reserva de lei formal, nos termos do artigo 165.º, n.º 1,

alínea b), da Constituição –, e não à luz dos parâmetros aplicáveis às regras de definição, positiva mas

também negativa, dos crimes – e que também integra a reserva de lei formal [cfr. os artigos 29.º, n.º 1, e 165.º,

n.º 1, alínea c), ambos da Constituição].

Por outro lado, no que se refere especificamente à invocação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição,

cumpre ter presente o respetivo âmbito material, relativo aos atos normativos (conforme é indicado pela

própria epígrafe do preceito) e a proibição nele estatuída não só de a lei – qualquer lei, seja em que domínio

for – criar outras categorias de atos legislativos para além dos tipificados naquele artigo, como admitir, ela

própria, por via de um reenvio para atos de outra natureza, e com eficácia idêntica à da própria lei (a «eficácia

externa»), a interpretação, modificação, suspensão ou revogação de qualquer dos seus preceitos. Está em

causa a proibição de a lei abrir a disciplina normativa que constitui o seu conteúdo à intervenção modificativa

de atos (normativos) que não tenham natureza legislativa e, portanto, desprovidos da força de lei formal

positiva. É um problema que releva das relações recíprocas que se podem estabelecer entre atos normativos.

O problema colocado pelo requerente, diferentemente, respeita à segurança e certeza na aplicação do

artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, ou seja, à capacidade prescritiva da norma contida nesse preceito,

isto é, à sua força normativa entendida como suscetibilidade de efetivamente dirigir e conformar as condutas

dos seus destinatários. Em causa está, por conseguinte, atendendo à matéria de que se trata e à circunstância

de se prever a emissão por uma entidade administrativa de um parecer que autoriza uma determinada prática,

a reserva de lei enquanto reserva de densificação normativa: o grau de determinação do artigo 2.º, n.º 1,

enquanto norma habilitante para a emissão daquele parecer com um dado conteúdo e, bem assim, para

orientar as condutas e juízos dos médicos que o mesmo também deve controlar. Ou seja, o que cumpre

avaliar é o próprio conteúdo normativo do preceito em causa à luz das exigências constitucionais,

nomeadamente aquelas que decorrem do princípio da determinabilidade das leis, enquanto corolário do

princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições