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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da Constituição. Neste caso, o que está em causa é a

distribuição de tarefas entre o autor da norma e aquele que a tem de aplicar ou executar.

36. Sem prejuízo das considerações anteriores, cumpre ter presente em relação ao princípio da legalidade

criminal, que é, desde logo, muito duvidoso que o mesmo pudesse conceder respaldo seguro para qualquer

juízo de censura constitucional quanto às normas do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, designadamente no

que se refere aos dois segmentos (e critérios) especificamente sindicados pelo requerente. Sobretudo, se para

essa censura se apontar como critério relevante o nível de determinabilidade imposto às leis que diminuem o

nível de proteção concedido através do direito penal – ou, conforme se afirma no requerimento, às leis que

relevam da «amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da

dignidade da pessoa humana» –, e não, como é próprio da exigência de lei certa, o grau de concretização

típica necessário para proteger o indivíduo do direito penal (neste sentido, sobre o princípio da legalidade

criminal, Claus Roxin, Strafrecht. Allgemeiner Teil. Grundlagen. Der Aufbau der Verbrechenslehre, C.H. Beck,

Munique, 1992, p. 67).

Enquanto garantia pessoal de não punição fora do âmbito de uma lei escrita, prévia, certa e estrita, o

princípio da legalidade criminal opera como um princípio defensivo, que constitui, por um lado, «a mais sólida

garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado» no âmbito do exercício do ius puniendi (cfr.

Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, Coimbra: Coimbra Editora, 1974, p 96., e Acórdão n.º 324/2013) e

se apresenta, por outro, como uma condição de previsibilidade e de confiança jurídica, no sentido em que

permite a cada cidadão dar-se conta das condutas humanas que relevam em cada momento no âmbito do

direito criminal (v. Acórdãos n.os

41/2004, 587/2004 e 606/2018).

Compreende-se, assim, que a exigência de lei certa se dirija direta e centralmente à lei que cria ou agrava

responsabilidade criminal, impondo-lhe a suficiente especificação dos factos que integram o tipo legal de crime

(ou que constituem os pressupostos da aplicação de uma pena ou medida de segurança) e a definição das

penas (e das medidas de segurança) que lhes correspondem. E, inversamente, que tal exigência possa não

encontrar rigorosa simetria no domínio da descriminalização ou da atenuação da mesma responsabilidade,

sob pena de, tal como explica Figueiredo Dias, «o princípio passar a funcionar contra a sua teleologia e a sua

própria razão de ser: a proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão face à possibilidade de arbítrio

e de excesso do poder estatal.» (Autor cit., Direito Penal – Parte Geral, tomo I, 3.ª ed., Gestlegal, Coimbra,

2019, p. 216).

A este respeito, o Tribunal entendeu reiteradamente que também a competência para delimitar pela

negativa a intervenção penal do Estado recai no âmbito da reserva de lei formal consagrada na alínea c) do n.º

1 do artigo 165.º da Constituição (v., entre outros, os Acórdãos n.os 56/1984, 173/1985, 254/1986, 427/1987,

158/1988, 349/1993, 592/1993, 797/1993, 663/1998, 596/1999). Mas, no que respeita à exigência de

determinabilidade, já teve ocasião de afirmar categoricamente que a precisão ou determinabilidade é «exigida

ao nível constitucional e legal mais para a definição do crime do que para a descrição das causas de exclusão

de ilicitude ou de culpa, como é sabido por todos aqueles que se dedicam a estes problemas.» (cf. o Acórdão

n.º 25/84, VII, 3).

Ora, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV reporta-se à antecipação da morte medicamente assistida

não punível, mas é por efeito do artigo 27.º do Decreto que opera a despenalização do homicídio a pedido da

vítima (previsto e punido no artigo 134.º do Código Penal) ou do incitamento ou ajuda ao suicídio (previsto e

punido no artigo 135.º). Conforme previsto nessa disposição do Decreto, passaria a constar dos artigos 134.º e

135.º do Código Penal uma hipótese de exclusão da punibilidade das condutas aí tipificadas. Quer se entenda

tratar-se de uma causa de exclusão da tipicidade baseada na «diferença de conteúdo de sentido social da

ação» (Figueiredo Dias, «A ‘ajuda à morte’: uma consideração jurídico-penal», cit., p. 212) ou antes de uma

causa de justificação integrada pelo consentimento, do que não há dúvida é que está em causa uma medida

legislativa que restringe ou limita a responsabilidade jurídico-penal e que, portanto, se situa fora do âmbito

nuclear próprio do princípio da legalidade da intervenção penal do Estado.

É certo que a determinabilidade da norma incriminatória assegura, como também esclarece Figueiredo

Dias, «que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma

punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos

proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos