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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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n.os

24, 25 e 26), fonte para um hipotético direito a uma morte autoconformada, na linha da jurisprudência

Haas do TEDH ou, porventura, ainda mais radicalmente, na linha do decidido pelo Bundesverfassungsgericht

(decisão de 26 de fevereiro de 2020) ou pelo Verfassungsgerichtshof (decisão de 11 de dezembro de 2020), é

seguro que na ordem constitucional portuguesa o apoio de terceiros à morte, mesmo que autodeterminada,

não representa um interesse constitucional positivo, salvo na medida em que esteja em causa a dignidade de

quem, pretende (ser auxiliado a) morrer, isto é, a sua atuação como sujeito autorresponsável pelo seu próprio

destino num momento já próximo do final. Trata-se de casos em que uma proibição absoluta da antecipação

da morte com apoio de terceiros determinaria a redução da pessoa que pretende morrer, mas não consegue

concretizar essa intenção sem ajuda, a um mero objeto de tratamentos verdadeiramente não desejados ou,

em alternativa, a sua condenação a um sofrimento sem sentido face ao desfecho inevitável.

Como linha de princípio orientadora – como diretriz – para a determinação dessas situações, dir-se-á que

não está em causa uma escolha entre a vida e a morte, mas, mais rigorosamente, a possibilitação da escolha

entre diferentes modos de morrer: nomeadamente, um processo de morte longo e sofrido versus uma morte

rápida e tranquila. Em conformidade, e tendo em conta a inutilidade do sofrimento – ao menos da perspetiva

de quem sofre – perante um desfecho certo, desde que verificado o pressuposto de uma decisão tomada em

consciência, verdadeiramente livre de todas as pressões, e previamente informada do diagnóstico, do

prognóstico e das alternativas disponíveis no domínio das terapias ou no âmbito dos cuidados paliativos, perde

relevância saber quem detém o «domínio do facto» no momento final, o mesmo é dizer, recorrendo aos termos

do Decreto n.º 109/XIV, se o ato de antecipação da morte se concretiza por via da autoadministração

(ajudada) ou da heteroadministração de fármacos letais.

Assim sendo, o dever de proteção da vida (e, bem assim, da autonomia) de quem pretende antecipar a sua

morte por se encontrar doente, numa situação de grande sofrimento e sem perspetivas de recuperação, impõe

uma disciplina rigorosa quanto às situações – os casos típicos – que justificam, segundo a opção legislativa, o

acesso à morte medicamente assistida e garantias procedimentais robustas e adequadas a salvaguardar a

liberdade e o esclarecimento do paciente e, outrossim, a assegurarem o controlo da verificação concreta dos

casos previstos. Só desse modo se cumprem as exigências de certeza e de segurança jurídica próprias de um

Estado de direito democrático, garantidoras de que a antecipação da morte medicamente assistida se contém

dentro dos limites que a justificam constitucionalmente, face ao dever de proteção decorrente da

inviolabilidade da vida humana: a salvaguarda do núcleo de autonomia inerente à dignidade de cada um,

enquanto sujeito, ou seja, um ser autodeterminado e autorresponsável.

As situações em que a antecipação da morte medicamente assistida é possível têm, por isso, de ser claras,

antecipáveis e controláveis desde o momento em que aquela prática se encontre estabelecida

normativamente, devendo o procedimento assegurar a determinabilidade controlável das inevitáveis

indeterminações conceituais. Incumbe ao legislador, por esta via, prevenir a possibilidade de indesejáveis e

imprevistas «rampas deslizantes».

O mérito do sistema legal de proteção deverá, assim, ser objeto de uma avaliação global, que considere as

possibilidades de interação entre as condições materiais relativas ao paciente e sua condição e o

procedimento, na sua vertente clínica e administrativa. Não é de descurar que o segundo, além das finalidades

que lhe são próprias, também possa desempenhar uma função de compensação de insuficiências ao nível das

primeiras.

E) A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte

medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da legalidade criminal

34. Os vícios concretos apontados pelo requerente ao Decreto n.º 109/XIV prendem-se com a indefinição,

insuficiente densificação ou indeterminabilidade dos conceitos ou fórmulas verbais utilizados para recortar as

hipóteses em que não é punível a morte medicamente assistida (cfr. o requerimento, pontos 6.º a 9.º e supra o

n.º 10) de que resultaria «cabe[r] aos clínicos, no âmbito do procedimento, a definição do preenchimento dos

pressupostos para o exercício da antecipação da morte medicamente assistida, sendo depois tal verificado e

confirmado pela Comissão de Verificação e Avaliação.» (requerimento, ponto 11.º; v. também os seus pontos

6.º, 7.º e 10.º). Esta indeterminação, segundo o requerente, é suscetível de contender com os princípios da

legalidade e da tipicidade criminal, consagrados no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição; e a consequente