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16 DE MARÇO DE 2021

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[…]

140. O artigo 2.º impõe ao Estado que tome as medidas necessárias à proteção das pessoas sob a sua

jurisdição; no domínio da saúde pública, tais obrigações positivas implicam a instituição pelo Estado de um

quadro normativo que imponha aos hospitais, privados ou públicos, a adoção de medidas que assegurem a

proteção da vida dos doentes […]»

É conhecido, em todo o caso, que, em geral, um direito inicialmente concebido contra o Estado (sem

prejuízo de, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, também se poder dirigir contra as «entidades

privadas») e o dever estadual de proteger tal direito não se confundem. E assim também sucede no tocante ao

direito à vida, apesar de toda a sua importância (cfr. supra o n.º 26, in fine). O direito à vida, na sua dimensão

de direito de não ser morto, proíbe comportamentos determinados, atentatórios da vida humana; já o dever de

proteção da vida impõe atuações não pré-determinadas mas com um sentido ou a finalidade de salvaguardar

o bem vida. Daí que «o regime de proteção da vida humana, enquanto bem constitucionalmente protegido,

não [seja] o mesmo que o direito à vida, enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão

com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira,

Constituição…, cit., anot. VI ao artigo 24.º, p. 449).

Na verdade, compete ao legislador conceber modelos de proteção e de os estabelecer normativamente,

gozando para o efeito de uma liberdade de conformação mais ou menos ampla. Isso mesmo reconhecem Rui

Medeiros e Jorge Pereira da Silva: «no cumprimento dos referidos deveres de atuação [– deveres esses

dirigidos à promoção e proteção do bem vida nos mais diversos domínios do agir humano –], e apesar do seu

permanente comprometimento com a vida, os legisladores penal, civil ou administrativo nunca surgem

desprovidos de margens de liberdade de conformação, que por vezes podem revelar alguma amplitude» (v.

Constituição…, cit., anot. IV ao artigo 24.º, p. 502).

Daí que as possibilidades de controlo de eventuais défices de proteção também sejam limitadas, cingindo-

se genericamente à verificação da omissão de quaisquer medidas de proteção ou à verificação da

inadequação manifesta daquelas que foram adotadas ou à sua total insuficiência para alcançar o fim de

proteção devido. Em todo o caso, também é claro que o grau de exigência de proteção aumenta não só em

função da importância do bem a proteger, como da menor valia constitucional do interesse contraposto e que

justifica a afetação de tal bem. Se a vida humana, mesmo do ponto de vista do seu titular, não é um bem como

qualquer outro, já que constitui a condição de possibilidade de todos os demais bens e até o pressuposto

ontológico da dignidade da pessoa humana, isso não pode deixar de ter consequências na avaliação dos

limites impostos pela consideração de outros bens à sua própria proteção. Aliás, esta consideração justifica

uma aproximação ao problema da concordância prática a partir do ponto de vista do valor objetivo da vida

humana, perspetivando os interesses ou bens que se lhe contraponham como limites mais ou menos amplos.

Concorda-se, por isso, com Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, quando afirmam que, não sendo o direito à

vida «um direito ilimitado ou absoluto, imune a situações de delicadas colisões de direitos […], não deixa,

entretanto, de ser um direito que beneficia a priori de uma posição muito vantajosa na ordem flexível e não

hierárquica da axiologia constitucional» (v. Constituição…, cit., anot. IV ao artigo 24.º, p. 502).

31. No Decreto n.º 109/XIV, a exclusão da punibilidade da antecipação da morte medicamente assistida,

verificadas determinadas condições (ou critérios) materiais e com observância do procedimento aí

disciplinado, coexiste com a continuação da punibilidade da morte a pedido da vítima e da ajuda ao suicídio

(cfr. o artigo 27.º do Decreto, na parte em que adita um novo número aos artigos 134.º e 135.º do Código

Penal). Esta opção mostra que o fim prosseguido pelo legislador – deixando de lado o aspeto prestacional

relacionado com a possibilidade de antecipação da morte medicamente assistida no âmbito do Serviço

Nacional de Saúde – é duplo: i) criar condições para que as pessoas em determinadas situações de

sofrimento intolerável possam, se assim o desejarem, antecipar a sua morte em segurança mediante a

colaboração voluntária de médicos e outros profissionais de saúde; ii) dar aos profissionais de saúde que não

tenham problemas de consciência em intervirem na antecipação da morte de uma pessoa que se encontre em

determinadas situações de sofrimento intolerável e a pedido da mesma a certeza de que não serão punidos.

Com efeito, sem uma norma como a do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV – e as demais que dela

decorrem diretamente, como as alterações ao Código Penal – as práticas de eutanásia ativa direta ou de ajuda