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16 DE MARÇO DE 2021

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com tal conceção, o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias.

O contrário seria incompatível com a noção de homem-pessoa, dotado de uma dignidade própria, que é um

sujeito autoconsciente e livre, autodeterminado e autorresponsável, em que se funda a ordem constitucional

portuguesa. Isto porque, como referem Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, «a absolutização da vida,

traduzida na incriminação indiferenciada de todas as condutas eutanásicas, redundará inevitavelmente no

esmagamento da autonomia de cada ser humano para tomar e concretizar as decisões mais centrais da sua

própria existência. Ora, da circunstância de um direito fundamental como o direito à vida constituir uma

conditiosine qua non de todos os demais direitos, não decorre de forma necessária a sua permanente

superioridade axiológica sobre os restantes direitos […]» (Autores cits. Constituição…, cit., anot. XXXI ao

artigo 24.º, p. 540).

Nesta mesma linha de abertura à salvaguarda da capacidade de autodeterminação inerente à dignidade

humana de quem sofre, ou seja, de quem se encontra numa posição de vulnerabilidade, a Corte Costituzionale

sustentou que, se um paciente é considerado capaz de tomar a decisão de pôr fim à própria existência através

da interrupção de tratamentos de suporte à vida, não se compreenderia por que razão já deveria ser sujeito a

uma proteção contra a própria vontade, quando essa decisão depende da ajuda de terceiros de forma a

proporcionar uma alternativa que o paciente considera mais digna face à interrupção desses tratamentos. Daí

a conclusão de que «a proibição absoluta da ajuda ao suicídio acabaria, assim, por limitar a liberdade de

autodeterminação do paciente na escolha das terapias, incluindo aquelas destinadas a libertá-lo do sofrimento

[…], impondo-lhe, em última análise, uma única forma de se despedir da vida, sem que tal limitação possa

considerar-se preordenada à tutela de um outro interesse constitucionalmente relevante, com a consequente

lesão do princípio da dignidade humana» (v. a Ordinanza n.º 207/2018, de 24 de outubro de 2018, n.º 9;

posteriormente confirmada pela Sentenza n.º 242/2019, de 25 de setembro de 2019, n.º 2.3, in fine).

A vulnerabilidade de uma pessoa originada pela situação de grande sofrimento em que se encontre pode

criar uma tensão relativamente ao artigo 24.º, n.º 1, da Constituição devido à vontade livre e consciente de não

querer continuar a viver em tais circunstâncias. E a uma tal tensão, a proteção absoluta e sem exceções da

vida humana não permite dar uma resposta satisfatória, pois tende a impor um sacrifício da autonomia

individual contrário à dignidade da pessoa que sofre, convertendo o seu direito a viver num dever de

cumprimento penoso. Por isso mesmo, o legislador democrático não está impedido, por razões de

constitucionalidade absolutas ou definitivas, de regular a antecipação da morte medicamente assistida.

33. No entanto, na conformação de tal regulação, o legislador tem de observar limites, designadamente os

que decorrem dos deveres de proteção dos direitos fundamentais que estão em causa na antecipação da

morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa.

Para além da salvaguarda da voluntariedade da colaboração dos terceiros, maxime a possibilidade de os

mesmos invocarem objeção de consciência, impõe-se a proteção da autonomia e da vida da própria pessoa

que pretende antecipar a sua morte. Esta encontra-se numa posição vulnerável, razão acrescida por que deve

ser defendida contra atuações precipitadas ou determinadas por pressões sociais, familiares ou outras. Está

em causa a adoção de uma decisão cuja concretização se traduz num resultado definitivo e irreversível, pelo

que a mesma só deve ser atendida desde que existam garantias suficientes de se tratar de uma genuína

expressão da autodeterminação esclarecida de quem a toma. Ora, é no quadro da definição de tais garantias

que assume relevância a importância objetiva do bem vida.

Com efeito, o Estado, nas suas diversas expressões institucionais e funcionais, não pode ser neutro no que

à vida humana diz respeito: tem de a proteger e promover. No caso do acesso à morte medicamente assistida,

esse esforço de proteção tem de partir da consideração da situação de vulnerabilidade e de sofrimento das

pessoas que se decidem por tal prática. Além disso, do ponto de vista constitucional, a morte voluntária não é

uma solução satisfatória e muito menos normal, pelo que não deve ser favorecida. O que deve promover-se é

antes a vida e a sua qualidade, até ao fim. Daqui decorre, com fundamento na dimensão objetiva do direito à

vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, a imposição de adotar um sistema legal de proteção

orientado para a vida.

Independentemente da questão de saber se o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do artigo

26.º, n.º 1, da Constituição constitui, atenta a sua necessária articulação com a importância e a consequente

proteção qualificada devida à vida humana em função do artigo 24.º, n.º 1, do mesmo normativo (cfr. supra os