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16 DE MARÇO DE 2021

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num quadro de atuação regulado e controlado pelo Estado, à antecipação da morte de uma pessoa a pedido

desta. Ora, esta colaboração voluntária de terceiros em vista da prática ou ajuda à prática do ato de

antecipação da morte coloca problemas de natureza diversa, que transcendem a esfera pessoal de quem

pretende morrer, projetando-se socialmente com implicações para o dever (estadual) de proteção da vida. E é

a configuração deste, em razão da importância fundante do bem em causa para todos os demais direitos

fundamentais que se impõe começar por analisar.

Certo é que em Portugal o suicídio tentado não é punível e que mesmo as intervenções e tratamentos

médico-cirúrgicos levados a cabo de acordo com as leges artis tendo em vista prevenir, diagnosticar, debelar

ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal só podem ser realizados com consentimento do

paciente (cfr. os artigos 150.º e 156.º do Código Penal). De todo o modo, a continuidade – até à data

inquestionada quanto à sua legitimidade constitucional – dos tipos incriminadores Homicídio a pedido da vítima

e Incitamento ou ajuda ao suicídio (artigos 134.º e 135.º do Código Penal), mesmo depois de aprovado o

Decreto n.º 109/XIV (cfr. o respetivo artigo 27.º), constitui um indício forte no sentido do não reconhecimento

de um direito fundamental fundado na autodeterminação do próprio quanto à disponibilidade da sua própria

vida, por razões de defesa do bem vida e da própria liberdade-autonomia daquele que deseja a sua morte. O

ato de suicídio corresponde, em tal enquadramento, a um mero agere licaere, a uma atuação de facto

(expressão da simples possibilidade individual de atuar) e que é juridicamente irrelevante – e, portanto,

também não punível – consistente na disposição de um bem que se encontra na esfera de ação do próprio, e

não a uma liberdade juridicamente conformada e protegida.

Ora, na ausência do reconhecimento desse hipotético direito fundamental a uma morte autodeterminada,

seguindo, na esteira do TEDH, a via da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht e do

Verfassungsgerichtshof já mencionada (cfr. supra o n.º 15), subsistem as complexas questões relacionadas

com as omissões relevantes e o direito ou o dever de intervir de terceiros nas situações em que o suicida ou o

ativista em greve de fome perde o controlo da situação – o domínio do facto – já depois de iniciada a ação

autodestrutiva (por exemplo, devido a entretanto ter ficado inconsciente).

29. A referida diferença, que vai da intranscendência social do ato de quem, seja pelas razões que for, se

mata, e a passagem ao patamar da organização social foi bem salientada por Zagrebelsky (antigo Presidente

da Corte Costituzionale), em resposta à questão de saber se não seria contraditório o silêncio da lei

relativamente ao suicídio tentado quando confrontado com a punibilidade da ajuda ao suicídio, visto em ambos

os casos estar em causa a mesma realidade, ou seja, o suicídio:

«[S]e alguém se mata, isso é considerado um facto, um mero facto que […] permanece dentro da sua

esfera jurídica pessoal. Porém, entrando em jogo outra pessoa, isso transforma a situação num facto social,

mesmo que isso envolva apenas duas pessoas: quem pede para morrer e quem a ajuda. Mais ainda se entrar

nesse processo uma organização, seja ela pública ou privada, como na Suíça ou na Holanda. […] Se a

maioria dos casos de suicídio deriva da injustiça, da depressão ou da solidão, o suicídio, como facto social,

levanta uma outra questão. A sociedade pode dizer, está bem, podes sair do caminho [va bene, togliti di

mezzo], e nós até te ajudamos a fazê-lo? Não é muito fácil? Mas dever do Estado não é o contrário: dar

esperança a todos? O primeiro direito de cada pessoa é poder viver uma vida com sentido, correspondendo à

sociedade o dever de criar as condições. […] Uma coisa é o suicídio como facto individual; outra coisa é o

suicídio socialmente organizado. A sociedade, com as suas estruturas, tem o dever de cuidar, se possível; se

não for possível, tem, pelo menos, o dever de aliviar o sofrimento» (Autor cit., «Il diritto di morire non existe» in

Il Fatto Quotidiano di Silvia Truzzi, 14 Dicembre 2011).

Na mesma linha, de afirmação de uma diferença essencial entre suicídio e ajuda ao suicídio, afirma Costa

Andrade:

«É precisamente a identificação da vida humana (de outra pessoa) como bem jurídico tutelado que

empresta – e baliza – a indispensável legitimação material da incriminação do Incitamento ou ajuda ao

suicídio. Uma legitimação que alguns pretendem questionar ou mesmo minar, a partir da irrelevância ou

indiferença do suicídio para a ordem jurídico-penal. Só que esta indiferença do suicídio não se comunica