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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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direito à eutanásia ativa:

«Jurídico-constitucionalmente não existe o direito à eutanásia ativa, concebido como o direito de exigir de

um terceiro a provocação da morte para atenuar sofrimentos («morte doce»), pois o respeito da vida alheia

não pode isentar os «homicidas por piedade» (cfr., porém, as especificidades do crime de «homicídio a pedido

da vítima» tipificado no artigo 134.º do Código Penal). Relativamente à ortotanásia («eutanásia ativa indireta»)

e eutanásia passiva – o direito de se opor ao prolongamento artificial da própria vida – em caso de doença

incurável («testamento biológico», «direito de viver a morte»), podem justificar regras especiais quanto à

organização dos cuidados e acompanhamento de doenças em fase terminal («direito de morte com

dignidade»), mas não se confere aos médicos ou pessoal de saúde qualquer direito de abstenção de cuidados

em relação aos pacientes (cfr. Resolução sobre a Carta dos direitos do doente do Parlamento Europeu, de

19/01/84). A Constituição não reconhece qualquer «vida sem valor de vida», nem garante decisões sobre a

própria vida» (v. ob. cit., anot. VII ao artigo 24.º, p. 450).

26. A peculiar feição do direito à vida, traduz-se em «[apresentar-se] em regra como um direito de tudo ou

nada – no sentido de que não são concebíveis ataques parcelares à vida sem perda dessa mesma vida» –

avesso a operações de concordância prática e cujo conteúdo tende a coincidir com o seu conteúdo essencial»

(assim, Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Constituição…, cit., anot. IV ao artigo 24.º, p. 502). Contudo,

essa proteção sendo especialmente qualificada, próxima até da ideia de absolutização, não tem exatamente

esse significado – entendendo-se por ser absoluto, no que a um direito diz respeito, a ideia, radicada na

etimologia latina da palavra (solutus), de libertação deste de condições, exceções ou quaisquer margens de

ponderação, expressando uma coincidência exata, rectius, uma total sobreposição, entre o conteúdo do direito

e a extensão da proteção que o mesmo confere.

Assim se compreende que a opção constitucionalmente sedeada de libertar um direito de quaisquer

condicionantes ou margens de ponderação – a opção pela absolutização da inviolabilidade deste – se

expresse, numa língua com a riqueza e a precisão do alemão, pela expressão unantastbar (empregue no

Artigo 1. (1) da Grundgesetz, relativo à dignidade da pessoa humana: Die Würde des Menschen ist

unantastbar), com o significado mais preciso de intangibilidade, ao passo que a afirmação, nesse contexto

linguístico, da inviolabilidade de um direito se expresse – como sucede no Artigo 2. (2) do mesmo normativo –

pela expressão unverletzlich, que exatamente corresponde a inviolabilidade (o significado desta diferenciação

linguística na Grundgesetz é explicitado por Dieter Grimm, «Dignity in a Legal Context: Dignity as an Absolute

Right» in Christopher McCrudden (ed.), Understanding Human Dignity, Oxford University Press, Oxford, 2014,

p. 387).

Claro que a «intangibilidade», referida a um contexto significativo muito aberto (dignidade), com raízes

teológicas e filosóficas muito marcadas e tributário – é esse o contexto histórico da Grundgesetz – de

acontecimentos históricos fortemente traumáticos, conduz a margens de indefinição apreciáveis que o tornam

menos operante em contextos de argumentação jurídico-constitucional, onde pode, consistentemente, ser

invocado em lados opostos do debate («[t]alvez a expressão dignidade signifique, neste contexto, muitas

coisas diferentes e contraditórias para assumir um papel clarificador nesta discussão. Pessoas favoráveis à

eutanásia falam da morte com dignidade, enquanto os seus oponentes argumentam que é precisamente a

dignidade que impede a morte de alguém nesse contexto»; assim, Alan Mittleman, «Two or Three Concepts of

Dignity» in JRB, Summer, 2013). Como, referindo-se à mesma questão, é sublinhado por Ronald Dworkin,

«[d]ignidade – que significa respeitar o valor inerente às nossas próprias vidas – constitui o cerne de ambos os

argumentos» (v. Autor cit., Life’s Dominion: An Argument About Abortion, Euthanasia, and Individual Freedom,

Vintage Books, New York, 1994, p. 238). Esta caraterística reflete, todavia, a força essencial da ideia de

dignidade humana alcandorada à categoria de princípio, que exige uma abrangência qualificada, um

metaprincípio, particularmente adequado a inferências reflexas (assim, Jorge Miranda e António Cortês in

Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição…, cit. [reimpr.], anotação ao artigo 1.º, p. 65).

No caso do artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, o grau superior de qualificação assumido pela afirmação

enfática da inviolabilidade da vida humana, exige um nível protetivo congruente com a forte identidade

axiológica que o caracteriza. Isso não exclui em absoluto, porém, a consideração de fatores de ponderação

que permitam dar resposta, na projeção dessa inviolabilidade, a circunstâncias especiais – neste caso muito