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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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personalidade, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, claramente inspirado no direito

correspondente previsto no Artigo 2.º (1) da Grundgesetz, o qual, de acordo com a doutrina e jurisprudência

alemãs, compreende duas diferentes vertentes: o direito geral de personalidade e a liberdade geral de ação.

A doutrina portuguesa tem também vindo a acentuar as dimensões de liberdade e de autodeterminação

que se encontram associadas a este direito. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira relativamente

ao mesmo: «na qualidade de expressão geral de uma esfera de liberdade pessoal, ele constitui um direito

subjetivo fundamental do indivíduo, garantindo-lhe um direito à formação livre da personalidade ou liberdade

de ação como sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória, e um direito de personalidade

fundamentalmente garantidor da sua esfera jurídico-pessoal e, em especial, da integridade deste» (Autores

cits., Constituição…, cit., anot. III ao artigo 26.º, pp. 463-464). Os mesmos Autores acrescentam que o âmbito

normativo de proteção deste direito compreende três dimensões: 1) a formação livre da personalidade, sem

planificação ou imposição estatal de modelos de personalidade; 2) a proteção da liberdade de ação de acordo

com o projeto de vida, vocação e capacidades pessoais próprias; e 3) a proteção da integridade da pessoa em

vista a garantir a esfera jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento (ibidem).

Em sentido próximo, Rui Medeiros e António Cortês salientam que aquele direito compreende uma tutela

abrangente da personalidade enquanto substrato da individualidade (nos seus diversos aspetos) e uma tutela

da liberdade (Autores cits., Constituição…, cit., anot. XIV ao artigo 26.º, p. 614). Estes Autores assinalam

ainda a interligação que se verifica entre o direito em apreço e outros direitos e interesses constitucionalmente

tutelados, afirmando que «o respeito pela dignidade humana, pelo pluralismo democrático, pela identidade

pessoal e pelo desenvolvimento da personalidade de cada um implica o reconhecimento de um espaço

legítimo de liberdade e realização pessoal liberto de constrangimentos jurídicos» (ibidem).

A mencionada liberdade geral de ação traduz-se essencialmente num espaço próprio de autonomia que

confere a cada pessoa a liberdade de conduzir a sua própria existência de acordo com as características

específicas da sua personalidade e do seu projeto de vida. Como este Tribunal já frisou a propósito de tal

dimensão, a mesma consiste numa «liberdade de exteriorização da personalidade ou liberdade de ação de

acordo com o projeto de vida e a vocação e capacidades pessoais próprias» (Acórdão n.º 225/2018),

assegurando-se «a cada um a liberdade de traçar o seu próprio plano de vida» (Acórdão n.º 288/98). Já a

capacidade de autodeterminação traduz-se essencialmente num espaço próprio de autonomia decisória que

confere a cada pessoa a liberdade de fazer escolhas relevantes para a sua vida enquanto ser racional e o

ónus de assumir a responsabilidade pelas mesmas. Também esta vertente tem vindo a ser enfatizada na

jurisprudência constitucional e na doutrina, que a descrevem como a «liberdade de ação necessária à

autoconformação da identidade própria de um sujeito autodeterminado» (Acórdão n.º 225/2018), ou ainda a

como a «liberdade de ação como sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória» (v. Gomes

Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit., anot. III ao artigo 26.º, p. 463).

Estas duas dimensões do direito ao desenvolvimento da personalidade conferem a cada pessoa o poder de

tomar decisões cruciais sobre a forma como pretende viver a própria vida e, por inerência, a forma como não a

pretende continuar a viver. O espaço irredutível de autonomia individual para conduzir a sua própria existência

de acordo com as características específicas da sua personalidade e o seu projeto de vida decorrente da

liberdade geral de ação pode, assim, integrar um projeto de fim de vida delineado em função das conceções e

valorações relativas ao significado da própria existência para cada pessoa. Por sua vez, a liberdade de cada

um fazer escolhas relevantes para a própria vida enquanto ser dotado de racionalidade e de responsabilidade,

que é própria da autonomia decisória, também pode proteger a decisão de uma pessoa pôr termo à própria

vida, desde que tomada de forma capaz, livre, consciente e esclarecida.

Vai nesse sentido o entendimento do TEDH de que «o direito de uma pessoa decidir de que modo e em

que momento a sua vida deve terminar, desde que esteja em condições de formar livremente a sua vontade a

esse respeito e de agir em conformidade é um dos aspetos compreendidos no direito ao respeito pela vida

privada consagrado no artigo 8.º da Convenção» (v. o Acórdão [Sec.] de 20 de janeiro de 2011, Haas c.

Suisse, Queixa n.º 31322/07, § 51; confirmando esta jurisprudência, v. os Acórdãos [Sec.] de 19 de julho de

2012, Koch c. Allemagne, Queixa n.º 497/09, § 52; e de 14 de maio de 2013, Gross c. Suisse, Queixa n.º

67810/10, § 59).

Contudo, neste processo, não é necessário tomar posição sobre tal matéria, porquanto não está em causa

a conduta isolada de alguém que quer pôr termo à própria vida, mas a assistência de profissionais de saúde,