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16 DE MARÇO DE 2021

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autoadministração das referidas substâncias; imediatamente antes de esta se ter iniciado, o primeiro tenha

confirmado junto do segundo a vontade de antecipar a sua morte, na presença de pelo menos uma

testemunha, devidamente identificada; e a cedência e autoadministração dos fármacos letais tenha sido,

respetivamente, realizada pelo médico orientador ou na presença deste.

Do exposto resulta assim que, na parte em que estabelece os pressupostos da ação causadora ou

auxiliadora da morte que tem lugar após procedimento formal de verificação das condições previstas no artigo

2.º do Decreto n.º 109/XIV, a causa de exclusão da punibilidade prevista no mesmo Decreto é integrada

apenas por elementos descritivos e conceitos determinados, o que coloca o autormaterial do facto em

condições de poder motivar e dirigir a sua atuação. Este – que só pode ser, como vimos, um profissional de

saúde – dispõe, pois, e em suma, dos meios necessários para orientar a sua conduta de modo a evitar a

punibilidade das condutas tipificadas nos artigos 134.º e 135.º do Código Penal, em termos que satisfazem as

exigências de determinabilidade, conforme vêm sendo delineadas pela jurisprudência deste Tribunal.

F) A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte

medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da determinabilidade das leis

38. De todo o modo, a conclusão anterior não permite responder às dúvidas e questões colocadas pelo

requerente (cfr. supra o n.º 10). Para o fazer, e uma vez que está em causa uma norma destinada a permitir a

avaliação da existência de um direito no âmbito de um procedimento regulado pela lei e em que intervém com

poder autorizativo uma entidade administrativa independente – a CVA –, justifica-se convocar o princípio da

determinabilidade das leis, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei

parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da Constituição

(cfr. supra o n.º 35), por referência ao direito à vida (artigo 24.º da Constituição), interpretado de acordo com o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Saliente-se que a exigência de um especial cuidado em matéria de determinabilidade da lei ou de

densificação normativa pode resultar não só de se estar no âmbito de domínio abrangido pela reserva de lei

parlamentar, mas igualmente das exigências do princípio da legalidade administrativa (v., em especial, o artigo

266.º, n.º 2, da Constituição), na sua vertente da precedência da lei. Como se afirmou no Acórdão n.º

296/2013 (II, 46), «a norma legal habilitante da atuação administrativa tem de apresentar um mínimo de

densidade, i.e., tem de conter uma disciplina suficientemente precisa (densa, determinada), de forma a, no

mínimo, poder representar um critério legal orientador da atuação para a administração, permitindo o respetivo

controlo por juízos de legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. A falta de um critério legal

efetivo, garantindo a imparcialidade e evitando a arbitrariedade, priva a função administrativa de parâmetro de

atuação)». Tal preocupação faz todo o sentido no presente contexto, uma vez que os segmentos normativos

questionados no requerimento, por força do procedimento clínico e legal instituído pelo Decreto n.º 109/XIV

também se dirige – como decorre da argumentação do requerente – à atuação da própria Administração,

nomeadamente a CVA, a qual não pode ficar subtraída ao controlo judicial da legalidade da sua atuação.

Assim, cumpre apreciar se os dois concretos segmentos normativos, contidos no n.º 1 do artigo 2.º do

Decreto n.º 109/XIV, identificados pelo requerente – o critério de antecipação da morte por decisão da própria

pessoa, maior, quando «em situação de sofrimento intolerável» e o subcritério relevante para o mesmo efeito

de antecipação da morte medicamente assistida não punível, «lesão definitiva de gravidade extrema de acordo

com o consenso científico» – cumprem as exigências do princípio da determinabilidade da lei.

39. Estando em causa a proteção do direito à vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição e, bem

assim, o mínimo imposto pela dignidade humana quanto à liberdade de ação e de autodeterminação pessoal,

enquanto dimensão do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, em articulação com o

artigo 1.º, ambos da Constituição), dúvidas não restam de que o diploma em análise se situa no âmbito da

reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º

da Constituição, convocando de modo especialmente intenso – atenta a relevância da matéria para um bem

jurídico fundamental como a vida humana e o caráter definitivo e irreversível das decisões que prevê quanto

ao mesmo – as exigências de determinabilidade que decorrem do princípio do Estado de direito democrático.

Conforme a jurisprudência deste Tribunal tem entendido – v., por exemplo, o Acórdão n.º 225/2018 (n.º 53)