O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 97

46

responsabilidade civil), construído a partir do estado do conhecimento e da experiência da medicina, idóneo a

despistar tanto os casos em que a vontade não seja séria ou esclarecida, como aqueles em que a avaliação

do próprio sobre o sofrimento, tido como intolerável ou insuportável, assenta em premissas erradas ou em

enganos. Nessa orientação, que aceita espaços de juridicidade na avaliação do sofrimento, podem apontar-se,

entre outros, Henri Wijsbek, «The subjectivity of suffering and the normativity of unbearableness» in Stuart J.

Youngner (ed.), Physician-assisted death in perspective: Assessing the Dutch experience, Cambridge

University Press, 2012, pp. 319-332; Govert den Hartogh, «Suffering and dying well: on the proper aim of

palliative care» inMedicine Health Care and Philosophy, 2017, 20, pp. 413-424; Tyler Tate e Robert Pearlman,

«What We Mean When We Talk About Suffering – And Why Eric Cassell Should Not Have The Last Word»,

PerspectivesinBiology and Medicine, Volume 61, 1, 2019, pp. 95-110; Claudia Bozarro e Jan Schildmann,

«‘Suffering’ in Palliative Sedation: Conceptual Analysis and Implications for Decision Making in Clinical

Practice» inJournal of Pain and Symptom Management, vol. 56, 2, agosto de 2018, pp. 288-294; e Clara

Costa Oliveira, «Para compreender o sofrimento humano» inRevista Bioética, 2016, 24 (2), pp. 225-234.

O reconhecimento de que o sofrimento, ainda que fortemente subjetivo, permanece heteroavaliável e

verificável, usando para tanto, nas suas expressões não estritamente fisiológicas, ferramentas desenvolvidas

por ramos da ciência médica como a psiquiatria ou a psicologia, suporta o entendimento de que o critério

normativo situação de sofrimento intolerável, pese embora amplo e interminável, desprovido da definição de

situações concretas, não é, em si mesmo, indeterminável. A sua interpretação e aplicação é confiada a

profissionais de saúde qualificados, sujeitos ao cumprimento das leges artis, desde logo em função do

conhecimento científico relativo à concreta patologia do doente, de incontornável natureza objetiva, com a qual

o sofrimento intolerável forma uma unidade de sentido na teleologia do sistema normativo de antecipação da

morte medicamente assistida não punível que o Decreto n.º 109/XIV pretende instituir.

É certo que poderia o legislador ter escolhido outros caminhos, seguindo, por exemplo, o modelo adotado

pela Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, que dedica toda a base II à definição de um conjunto de conceitos.

Todavia, não é menos certo que, face à rápida evolução do conhecimento médico, uma excessiva

aproximação às expressões concretas da vida comportaria, por sua vez, um elevado risco de perda de

consistência lógico-categorial. Como refere Costa Andrade, a propósito do artigo 150.º do Código Penal – que,

como se viu, inclui no seu enunciado a intenção de minorar o sofrimento – «[n]ão havendo, neste domínio, dois

casos verdadeiramente iguais […], falecem os momentos de comunicabilidade suscetíveis de emprestar

sentido e conteúdo rígido às categorizações legais ou doutrinais» (v. Consentimento e Acordo em Direito

Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1991, p. 466).

43. Resta, assim, concluir que o conceito de «sofrimento intolerável», embora amplo, não deixa de ser

adequado para desempenhar a função a que se destina no contexto da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto

n.º 109/XIV, podendo e devendo ser objetivado e comprovado em cada caso concreto mediante uma correta

aplicação das leges artis. Nessa medida, apesar de indeterminado, o conceito em apreço não é

indeterminável, mas antes determinável. Acresce que a sua abertura se mostra adequada ao contexto clínico

em que terá de ser aplicado por médicos. Estas duas razões justificam suficientemente o grau de

indeterminação em causa, não permitindo, no domínio particular da antecipação da morte medicamente

assistida, a conclusão de que aquele grau contrarie as exigências de densidade normativa resultantes da

Constituição.

H) Cont.: a insuficiente densificação normativa do conceito «lesão definitiva de gravidade extrema

de acordo com o consenso científico»

44. Cumpre, de seguida, analisar o segundo segmento normativo questionado – em que é de exigir do

legislador especial cuidado, precisamente, por não estar em causa uma doença fatal (como, aliás, o

requerente não deixa de sublinhar): o conceito descritivo de um dos subcritérios do segundo critério, a lesão

definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico (requerimento, pontos 7.º e 8.º).

Esta formulação terá tido origem nos projetos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda (artigo 1.º), bem

como do Partido Socialista (artigo 2.º, n.º 1), os quais se referem de igual modo a «lesão definitiva» enquanto