O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE MARÇO DE 2021

47

critério (ou subcritério) relevante para o acesso à antecipação da morte medicamente assistida por decisão da

própria pessoa e de eutanásia não punível. O artigo 2.º do que viria a ser o Decreto n.º 109/XIV – e, assim, a

versão final do enunciado do subcritério que se reporta à «lesão definitiva» – foi aprovado na reunião de 6 de

janeiro de 2021 da Comissão competente, na redação da proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do

Bloco de Esquerda, com a introdução do seguinte inciso no n.º 1, por proposta oral do mesmo partido: «lesão

definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico» (cfr. a nota sobre os trabalhos

preparatórios do Decreto n.º 109/XIV, anexo à resposta do autor da norma, p. 8 – cfr. supra o n.º 5).

Está em causa uma condição cumulativa, a tratar como condição objetiva, que pressupões um diagnóstico

consolidado. A lesão, enquanto traumatismo ou alteração patológica de um tecido, podendo ou não ser

incapacitante, é verificável e suscetível de heteroavaliação.

45. A expressão adotada pressupõe o diagnóstico de uma «lesão definitiva».

Se o adjetivo definitiva não suscita especiais dúvidas, o problema coloca-se a montante, desde logo,

quanto à noção de lesão, uma vez que esta pode corresponder a condições de gravidade muito díspar

(podendo ter na sua origem ou causa malformação, doença ou acidente traumático).

O legislador qualifica-a, é certo, como definitiva, o que parece pressupor um juízo sobre o seu caráter

permanente e irreversível [cf. a «irreversível lesão» a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º do

Código Penal]. Mas, de modo a cingir o universo de lesões definitivas prefiguráveis, impôs que a lesão seja de

gravidade extrema de acordo com o consenso científico (qualificação esta aditada, como se referiu, já na

discussão dos projetos de lei, por iniciativa do Bloco de Esquerda).

O segundo problema que se coloca é o de apreender o sentido de tal gravidade extrema, quando reportado

a uma lesão definitiva, já que o legislador não concede qualquer indício do que se deva entender, para este

efeito, como extremamente grave, nem é possível considerar que, por remissão para os conhecimentos da

ciência médica, a norma se torne facilmente determinável pelos seus destinatários.

De resto, como o requerente salienta, a propósito do subcritério lesão definitiva de gravidade extrema,

«sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza

fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer

em consequência da referida lesão» (requerimento, ponto 8.º). Este aspeto – a possibilidade do subcritério em

análise «permit[ir] uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva poderia conduzir à possibilidade

de morte medicamente assistida» (v. idem, ibidem) –, adquire uma relevância acrescida, em razão das

exigências colocadas pela imposição de proteção da vida humana relativamente a situações em que o recurso

à colaboração voluntária de terceiros para antecipar a morte de uma pessoa, mesmo a seu pedido, pode

considerar-se constitucionalmente admissível (cfr. supra o n.º 33).

A indeterminação do conceito gravidade extrema, associado a uma lesão definitiva, torna-se ainda mais

patente, quando confrontada com a falta de consenso relativamente ao caráter fatal das situações clínicas

suscetíveis de legitimarem o acesso a um procedimento de antecipação da morte medicamente assistida no

horizonte do direito comparado: enquanto os ordenamentos jurídicos europeus em que a eutanásia se

encontra prevista (concretamente, o holandês, o belga e o luxemburguês) admitem que a morte assistida

possa ocorrer sem que o doente sofra de uma doença fatal ou em fase terminal, a exigência inversa é feita nos

ordenamentos jurídicos do continente americano (concretamente, no canadiano, no colombiano e nos Estados

federados dos Estados Unidos da América que despenalizaram o suicídio assistido – Oregon, Washington,

Vermont, Califórnia, Colorado, Havai, Nova Jérsi, Maine e Distrito da Colúmbia). Esta diversidade de soluções

normativas reflete a diferença de valoração e de ponderação atribuída às mencionadas exigências de natureza

objetiva relativas à proteção da vida humana em confronto com a autodeterminação individual do doente. Ora,

a opção legislativa neste domínio tem de ser clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à

respetiva legitimidade constitucional, nomeadamente à luz da inviolabilidade da vida humana consagrada no

artigo 24.º, n.º 1, da Constituição.

46. Sem prejuízo destas considerações, a verdade é que o legislador poderia ter mobilizado outros

conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam

prontamente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável. Pense-se, por

exemplo, na lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência, que a Lei de Bases