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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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holandesa e luxemburguesa) e não impõe, expressamente, que fatores deste tipo devam ser ponderados nos

pareceres a elaborar durante o procedimento.

No que em especial respeita aos segmentos normativos identificados no requerimento, outros problemas

emergem da indeterminação conceitual que os caracteriza e que justificam um tratamento autónomo.

G) Cont.: a insuficiente densificação normativa do conceito «em situação de sofrimento intolerável»

41. Com referência aos diversos pressupostos da antecipação da morte medicamente assistida não

punível, o requerente exprime dúvidas relativamente ao elemento situação de sofrimento intolerável –

expressamente qualificado como primeiro critério (requerimento, ponto 5.º).

Começa por apontar ao conceito de «sofrimento» uma forte dimensão de subjetividade, decorrente de o

Decreto n.º 109/XIV omitir quer a sua definição, quer a indicação de critérios para a sua interpretação,

preenchimento ou mensuração pelo médico orientador e pelo médico especialista, opções legislativas essas

que seriam geradoras de insegurança jurídica, afetando todos os envolvidos: peticionante, profissionais de

saúde, membros da CVA e cidadãos em geral (cfr. requerimento, ponto 6.º).

Contudo, a mobilização pelo legislador do conceito de sofrimento não é nova.

Encontra-se, por exemplo, na definição do crime de homicídio qualificado, integrando a previsão de dois

dos exemplos-padrão em que se estrutura o tipo: é suscetível de revelar especial censurabilidade ou

perversidade do ato de produzir a morte a circunstância de o agente empregar tortura ou ato de crueldade

para aumentar o sofrimento da vítima [alínea d) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal]; ou ser determinado

pelo prazer de causar sofrimento [alínea e) do mesmo preceito]. Constitui, igualmente, elemento do regime

jurídico-penal das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, sendo a intenção de minorar o sofrimento

uma das finalidades terapêuticas que o legislador penal exclui das incriminações das ofensas corporais,

quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, tais intervenções ou tratamentos

se mostrarem indicados e forem levados a cabo, de acordo com as leges artis, por um médico ou pessoa

legalmente autorizada (cfr. o artigo 150.º, n.º 1, do Código Penal).

Para além do ordenamento penal, o conceito de sofrimento encontra lugar – e lugar central – noutras

disciplinas jurídicas, de evidente proximidade e conexão com aquela aqui em apreço.

Assim, a Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro, a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, acolhe o conceito na

definição e âmbito dos «cuidados paliativos», com referência a «doentes em situação de sofrimento decorrente

de doença incurável ou grave, em fase avançada ou progressiva» e à «prevenção e alívio do sofrimento físico,

social e espiritual», que associa não apenas à «dor e outros problemas físicos», mas também a outros

problemas «psicossociais e espirituais» [alínea a) da base II e n.º 1 da base III]; na definição de «obstinação

diagnóstica e terapêutica», enquanto fonte, por si própria, de «sofrimento acrescido» [alínea d) da base II]; na

adstrição da Rede Nacional de Cuidados Paliativos à prestação de cuidados paliativos aos doentes que,

independentemente da idade e patologia, estejam numa situação de sofrimento decorrente de doença grave

ou incurável, com prognóstico limitado e em fase avançada e progressiva [n.os

1 e 2, alínea a), da base IX].

Mais recentemente, a Lei n.º 31/2018, de 18 de julho, que estabelece um conjunto de direitos das pessoas

em contexto de doença avançada e em fim de vida, toma como objeto a consagração do direito das pessoas

nessa condição «a não sofrerem de forma mantida, disruptiva e desproporcionada» (artigo 1.º); veda a

distanásia, através de obstinação terapêutica e diagnóstica que prolongue ou agrave de modo

desproporcionado o sofrimento (artigo 4.º); e acolhe o direito do doente à recusa de suporte artificial das

funções vitais e a prestação de tratamentos que não visem exclusivamente a diminuição do sofrimento (artigo

5.º, n.º 3), assim como o direito dos doentes com prognóstico vital estimado em semanas ou dias, que

apresentem sintomas de sofrimento não controlado por medidas de primeira linha, a receber sedação paliativa,

através de fármacos «ajustados exclusivamente ao propósito de tratamento do sofrimento, de acordo com os

princípios da boa prática clínica e da[s] leges artis» (artigo 8.º, n.º 1).

Decorre dessa normação que o conceito de sofrimento, embora muitas vezes tenha na sua génese a dor

física, somática, provocada por alteração de tecidos corporais, não se confunde com o conceito de dor,

relacionando-se com outros fatores, para além dos problemas estritamente fisiológicos do sujeito.

Como emerge da reflexão de Eric J. Cassell, pode haver dor sem sofrimento, pois nem todas as dores são