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16 DE MARÇO DE 2021

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médicos segundo cujo consenso certa lesão deve ser considerada «definitiva» e «de gravidade extrema».

Mas mais: entendido nos termos referidos, o consenso científico à luz do qual deverão ser estabelecidas a

irreversibilidade e a extrema gravidade da lesão acaba por assumir, no âmbito do enunciado normativo em que

se inscreve, um significado essencialmente tautológico ou redundante.

Na verdade, a intervenção do médico orientador e do médico especialista destinada a verificar o

preenchimento dos pressupostos ou condições de que depende a antecipação da morte medicamente

assistida não punível constitui, conforme referido já, um ato médico, com uma dupla componente: de

diagnóstico – que se caracteriza pela «identificação de uma perturbação, doença ou do estado de uma doença

pelo estudo dos seus sintomas e sinais e análise dos exames efetuados» (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º

698/2019) – e de prognóstico, tendo por base a situação clínica do requerente. Como ato médico que é, tal

verificação encontra-se sujeita às leges artis, que corporizam o conjunto das regras que o médico está

obrigado a respeitar em cada ato clínico.

Ora, correspondendo as leges artis às «regras generalizadamente reconhecidas da ciência médica»

(Bockelmann, apud Costa Andrade, Comentário Conimbricense…, cit., p. 470) ou ao «complexo de regras e

princípios profissionais, acatados genericamente pela ciência médica, num determinado momento histórico,

para casos semelhantes, ajustáveis, todavia, às concretas situações individuais» (Álvaro da Cunha Gomes

Rodrigues, Responsabilidade Médica em Direito Penal, Estudo dos Pressupostos Sistemáticos, Almedina,

Coimbra, 2007, p. 54), pode dizer-se que a respetiva observância pelos médicos intervenientes no

procedimento pressupõe já a consideração dos standards de atuação consensualizados na comunidade

científica.

Deste ponto de vista, a remissão para o consenso científico constante do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º

109/XIV assemelha-se à referência ao «estado dos conhecimentos e da experiência da medicina» que até à

revisão operada pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, constava do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal: por se

tratar, aqui como ali, de um padrão de avaliação inerente à observância das leges artis, a exigência de que a

verificação das indicações que excluem a punibilidade da interrupção voluntária da gravidez fosse levada a

cabo «segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina» acabou por ser suprimida, por

«redundante e mesmo supérflua», na revisão de 2007, já que se afigurava em tal contexto «evidente» que «a

verificação das indicações de índole terapêutica» deve «atender ao estado dos conhecimentos e da

experiência da medicina» (Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense…, cit., p. 271).

48. As anteriores considerações, quer em relação à «lesão definitiva», quer relativamente à sua «gravidade

extrema», quer, finalmente, no tocante à exigência de um «consenso científico» tendo por objeto lesões

definitivas de gravidade extrema, evidenciam a manifesta insuficiência da densificação normativa da respetiva

previsão legal, tornando, por isso, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV inapto, por indeterminação, para

disciplinar em termos previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários. Neste segmento, aquele

Decreto não satisfaz o princípio da determinabilidade das leis e contende com a alínea b) do n.º 1 do artigo

165.º da Constituição, por referência ao seu artigo 24.º, interpretado de acordo com o princípio da dignidade

da pessoa humana previsto no artigo 1.º de tal normativo.

I) As normas sindicadas a título de inconstitucionalidade consequente constantes dos artigos 4.º,

5.º, 7.º e 27.º do Decreto n.º 109/XIV

49. O juízo de inconstitucionalidade quanto à norma do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV formulado

no número anterior importa um juízo de inconstitucionalidade consequente das demais normas mencionadas

no requerimento – as que constam dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º –, na medida em que se referem àquela,

expressamente ou por remissão, para o cumprimento dos requisitos ou das condições previstos no mesmo

Decreto. Este é um efeito inelutável justificado pela «centralidade» do referido artigo 2.º, n.º 1, na economia de

todo o diploma (cfr. o Acórdão n.º 793/2013, n.º 27).