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16 DE MARÇO DE 2021

53

ANEXO

Declarações de voto

Processo n.º 173/21

Plenário

Relator: Conselheiro Pedro Machete

(Conselheira Maria José Rangel de Mesquita)

Declaração

Afasto-me da conclusão alcançada no n.º 43 do presente Acórdão segundo a qual o critério sofrimento

intolerável, embora amplo, não deixa de ser adequado para desempenhar a função a que se destina no

contexto da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, uma vez que pode e deve ser objetivado e

comprovado em cada caso concreto mediante uma correta aplicação das leges artis.

Em meu entender, assiste razão ao requerente quando afirma que aquele critério não resulta «inequívoco

das leges artis médicas» e que, em qualquer caso, o grau de indeterminação que o caracteriza não se

conforma com «as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição na matéria sub judice»

(requerimento, ponto 6.º), em particular com o princípio da determinabilidade das leis. Com efeito, a

apreciação do critério em análise feita nos n.os

41, 42 e 43 do Acórdão desconsidera, em larga medida, o

dever de proteção da vida humana constitucionalmente consagrado – que também é reconhecido no Acórdão

– e as exigências que do mesmo decorrem quanto à admissibilidade constitucional da morte autodeterminada

com apoio de terceiros, mormente no quadro de um procedimento de natureza administrativa tendente à

prática de um ato correspondente a uma autorização permissiva – como é o caso do parecer da CVA. Acresce

que as insuficiências do citado critério no plano linguístico e conceptual também não se mostram

compensadas por garantias procedimentais robustas (como eventualmente, e a título meramente

exemplificativo, poderia resultar da intervenção obrigatória de um psiquiatra e, ou, de um psicólogo).

Em suma, tal como está formulado, e tendo em conta o contexto procedimental em que será aplicado, o

critério de acesso à morte medicamente assistida correspondente ao «estado de sofrimento intolerável»

presta-se a interpretações (e aplicações) subjetivas e amplas, não controláveis, mostrando-se incapaz de

prevenir eficazmente uma deriva no sentido da «rampa deslizante», a qual é absolutamente contrária aos

limites apertados em que, de acordo com a Constituição portuguesa, aquela prática pode ser admitida.

Esta conclusão fundamenta-se na seguinte ordem de razões:

1. A circunstância de o conceito de «sofrimento» já ser mobilizado noutros contextos normativos – como,

por exemplo, os que são referidos no n.º 41 do Acórdão – justifica a opção do legislador de o utilizar com a

finalidade de estabelecer um critério de acesso à antecipação da morte medicamente assistida que possa

funcionar como condição necessária, mas não suficiente, de modo a não desproteger totalmente o dever de

proteção da vida humana. Mas tal utilização em contextos normativos próximos no que ao sofrimento diz

respeito e com conexões com doenças terminais e com o fim da própria vida, nomeadamente os cuidados

paliativos (Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro) e o contexto de doença avançada e em fim de vida (Lei n.º

31/2018, de 18 de julho) faz ressaltar imediatamente as diferenças ao nível dos enunciados legais.

Por isso mesmo, é incompreensível a omissão de referência a um nexo de causalidade entre as condições

médicas de lesão ou de doença – parecendo bastar a simples associação – em contraste com o que sucede

no âmbito dos cuidados paliativos [v.g. Lei n.º 52/2012, bases II, alínea a), IX, n.º 1, e XVII, n.º 1, alínea b), e

Lei n.º 31/2018, artigo 2.º]. De resto, sem a existência de tal nexo não se compreende o fundamento da

afirmada «unidade de sentido na teleologia do sistema normativo de antecipação da morte medicamente

assistida não punível que o Decreto pretende instituir» entre a concreta patologia do doente e o sofrimento

intolerável (cfr. o n.º 42).

A importância da relação causal entre a condição médica ou clínica e o sofrimento para efeitos de