O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE MARÇO DE 2021

57

de saúde e concretizada mediante pedido que obedece a procedimento clínico e legal (previsto no Decreto)»

(ponto 12. do Acórdão).

1.1.2. Assente esta enunciação, posicionou seguidamente o Tribunal a antecipação da morte

medicamente assistida não punível à luz, como parâmetro exclusivo de ponderação, do artigo 24.º da CRP,

concluindo – formando-se nessa parte uma outra maioria na qual não nos integramos – o que expressou na

seguinte asserção (contida no final do ponto 32.): «[a] vulnerabilidade de uma pessoa originada pela situação

de grande sofrimento em que se encontre pode criar uma tensão relativamente ao artigo 24.º, n.º 1, da

Constituição devido à vontade livre e consciente de não querer continuar a viver em tais circunstâncias. E a

uma tal tensão, a proteção absoluta e sem exceções da vida humana não permite dar uma resposta

satisfatória, pois tende a impor um sacrifício da autonomia individual contrário à dignidade da pessoa que

sofre, convertendo o seu direito a viver num dever de cumprimento penoso. Por isso mesmo, o legislador

democrático não está impedido, por razões de constitucionalidade absolutas ou definitivas, de regular a

antecipação da morte medicamente assistida».

É nesta parte que os subscritores da presente declaração se afastam decididamente do entendimento

maioritário do Tribunal, expressando a sua divergência através deste voto.

1.1.3. Finalmente, num elemento decisório ao qual os subscritores desta declaração também aderem em

parte, como outro problema que a ultrapassagem pela maioria da anterior questão não deixou de colocar,

abordou o Tribunal «[a] insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso

à morte medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da legalidade criminal […] [e]

face ao princípio da determinabilidade das leis», aferindo esses desvalores quanto aos conceitos, alojados

no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto n.º 109/XIV, «[…] ‘em situação de sofrimento intolerável’ […]» e «[…] ‘lesão

definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso cientifico’ […]», considerando evidenciar este

último uma «[…] manifesta insuficiência da densificação normativa da respetiva previsão legal, tornando, por

isso, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV inapto, por indeterminação, para disciplinar em termos

previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários», não satisfazendo esse segmento do Decreto

«[…] o princípio da determinabilidade das leis [contendendo] com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da

Constituição, por referência ao seu artigo 24.º, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da

pessoa humana previsto no artigo 1.º de tal normativo[…]» (ponto 48. do Acórdão), gerando esta conclusão o

dispositivo exarado na parte III do Acórdão – em consonância com a fixação do objeto do recurso supra

enunciado –, que os subscritores desta declaração também subscrevem. A posição que subscrevemos e se

explicitará implica todavia que nos afastemos da fundamentação alcançada nos pontos 41. a 43. do Acórdão.

Percorrido o roteiro decisório do Tribunal, cumpre, pois, explicitar a nossa divergência.

II

2. A palavra eutanásia, embora ausente do texto do Decreto n.º 109/XIV (mas que o requerente não deixou

de referir no pedido), expressa com total exatidão (e fidelidade ao pensamento legislativo) o propósito do

diploma com o qual somos confrontados. Este, regulando a eutanásia, o que verdadeiramente faz é criar um

espaço de legalidade condicionada relativo à sua prática. De facto, embora um efeito ou consequência dessa

legalização – a cessação da punibilidade penal da correspondente conduta dos terceiros intervenientes – surja

destacada na enunciação do objeto do diploma – «[a] presente lei regula as condições especiais em que a

antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal» (artigo 1.º) –, a leitura

sistematizada do mesmo – e prescindimos até de referir o sentido óbvio do debate que o originou e justificou –

evidencia o que se pretendeu criar: um quadro jurídico de permissão (por via de um procedimento

administrativo especial de autorização) da prática da chamada eutanásia ativa por profissionais de saúde. É

assim que pouco relevo substancial apresenta a circunstância de a concretização final da situação originada

pelo pedido do doente, de que tenha lugar a sua morte antecipada, ocorrer por autoadministração dos

fármacos letais produtores desse resultado, ou por heteroadministração dessas substâncias, já que as duas

alternativas previstas nos artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 2, do Decreto, no quadro geral que se criou, apenas

permitem descrever o ato eutanásico em termos que configuram, de um ponto de vista prático, uma distinção

muito ténue (parecendo acentuar-se, no caso da autoadministração, a ideia de prestação de assistência a um

suicídio) que pouco adianta quanto à substância do problema que a este respeito nos interpela. Qualquer