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16 DE MARÇO DE 2021

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avaliação de diferentes graus de sofrimento. Cumpre, isso sim, recorrer aos instrumentos de avaliação

utilizados nesse tipo de diagnóstico, o que, de resto acaba por ser reconhecido no n.º 42 do Acórdão (até com

referência expressa à necessidade de a determinação do sofrimento intolerável ser «confiada a profissionais

de saúde qualificados», e não um qualquer «médico escolhido pelo doente», conforme previsto no artigo 3.º,

n.º 2, do Decreto).

Este aspeto é importante, uma vez que a própria função atribuída pelo legislador ao «critério» sofrimento

intolerável exige uma objetivação da apreciação realizada, quer em termos de fundamentação da mesma (cfr.

o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV), quer para efeitos do respetivo controlo pelos outros médicos e pela

própria CVA (cfr. os artigos 5.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do mesmo normativo). Ora, como resulta da leitura que o

próprio Acórdão faz do enunciado do critério em análise, o mesmo é insuficiente para vincular o médico

orientador a uma predefinição da metodologia que irá seguir na avaliação do sofrimento intolerável afirmado

pela pessoa que se lhe dirige em vista do pedido de antecipação da morte medicamente assistida,

documentando os passos essenciais da avaliação feita segundo o ou os métodos por si escolhidos. Um

médico orientador, que até pode carecer da necessária formação específica neste domínio, poderá, assim,

bastar-se com o autorrelato do doente e a impressão com que tenha ficado do mesmo para formar a sua

opinião e elaborar o subsequente parecer fundamentado (o qual, nestas condições, poderá acabar por ser

fundamentado apenas numa impressão subjetiva e incontrolável do clínico).

Acresce que num domínio como o que está em causa, e em que as várias decisões têm consequências

definitivas e irreversíveis, não podem subsistir dúvidas sobre o que é realmente exigido pelo legislador e o que

preveem as leges artis interpretadas pelos médicos aplicadores da lei. Na verdade, a não clarificação

expressa, por parte do legislador, da responsabilidade última pela avaliação do sofrimento, nomeadamente se

é suficiente o autorrelato ou se é necessária a heteroavaliação pelo médico – ainda que o Acórdão assuma

expressamente que deve ser exigida a heteroavaliação médica –, tem potencial para criar uma situação de

insegurança jurídica e até de desigualdade, pois médicos orientadores diferentes podem fazer uma

interpretação distinta do critério, bastando-se uns com o autorrelato, enquanto outros considerarão a sua

própria avaliação.

Por outras palavras, subsiste, também neste aspeto, uma indeterminação não admissível do critério em

análise, que o legislador pode e deve clarificar, não sendo suficiente, atento o caráter definitivo e irreversível

das decisões em causa, uma remissão implícita e vaga para as leges artis de certas especialidades médicas,

as quais nem sequer têm uma correspondência necessária com a especialidade do médico orientador.

3. Segundo o Acórdão, o caráter «intolerável» do sofrimento corresponderá a uma «exigência qualitativa»:

«não basta que o peticionante sofra; é necessário que esteja em estado de sofrimento intolerável» (n.º 42).

Sem necessidade de entrar em especulações sobre o caráter dinâmico da realidade e as leis da dialética,

constitui uma experiência comum, e é do conhecimento geral, que mudanças quantitativas de uma realidade

suscitam mudanças qualitativas e vice-versa. Assim também com o sofrimento, o qual não corresponde a algo

de estático. Significa isto que, sob pena de se anular a função de critério ou condição que a lei pretende

atribuir ao sofrimento, o médico orientador tem de recorrer a estratégias ou instrumentos que não só permitam

despistar situações agudas ou meramente pontuais, como também avaliar (e distinguir) um sofrimento mais

grave e menos grave.

Com efeito, no contexto da admissibilidade constitucional da antecipação da morte medicamente assistida,

a lei deve sinalizar algumas características desse sofrimento, na perspetiva da sua correspondência a um

estado mais ou menos permanente (por exemplo, «sofrimento persistente», «sofrimento continuado ou

permanente», «falta de perspetivas de melhoria», etc.). Do mesmo modo, também seria exigível sinalizar a

necessidade de objetivar o juízo quanto ao caráter intolerável. Neste particular, e seguindo a abordagem feita

no n.º 42 do Acórdão, tudo se tornaria mais simples e, sobretudo, mais objetivo e controlável, se: i) o médico

especialista, a que se refere o artigo 5.º do Decreto, também tivesse de examinar o doente, em ordem a

avaliar o impacto neste da patologia concretamente em causa; ii) tal especialista e o médico orientador

tivessem alguma formação específica no domínio do sofrimento e das terapêuticas para o diminuir ou mitigar

(conforme já resulta do anteriormente referido supra no n.º 2); e iii) se a intervenção do especialista e, ou do

psicólogo, não fosse meramente facultativa, mas obrigatória, pois, como bem se refere no Acórdão, «o

sofrimento, ainda que fortemente subjetivo, permanece heteroavaliável e verificável, usando para tanto, nas