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16 DE MARÇO DE 2021

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– Por fim, o Projeto de Lei n.º 195/XIV/1.ª, apresentado pelo Deputado único da Iniciativa Liberal visava

definir e regular as condições em que a antecipação da morte por decisão consciente e expressa,

manifestando vontade atual, livre, séria e esclarecida da própria pessoa que, padecendo de lesão definitiva ou

doença incurável e fatal, esteja em sofrimento duradouro e insuportável, quando praticada ou assistida por

profissionais de saúde, não é punível (artigo 1.º), mediante autoadministração ou administração por médico de

fármaco letal (artigo 8.º, n.º 2).

Em suma, do conjunto dos projetos de lei apresentados resulta que a expressão eutanásia apenas é

utilizada em dois deles – seja nela abrangendo a prática e a ajuda à antecipação da morte (Projeto de Lei n.º

104/XIV/1.ª), seja distinguindo a eutanásia do suicídio medicamente assistido (Projeto de Lei n.º 67/XIX/1.ª).

Decerto que a omissão do termo no Decreto aprovado terá tido em conta o receio de que os difíceis problemas

colocados por esta realidade, até «na sua incidência especificamente jurídico-penal, [são] muitas vezes

obscurecidos pelo clima de paixão em que ocorrem as controvérsias, maxime, quando se depara com o tabu

que continua a ligar-se ao uso do termo ‘eutanásia’» (cfr., Figueiredo Dias, cit., p. 202, que mais adiante

adverte para a necessidade rigorosa de delimitação do contexto problemático em causa – ibidem, pp. 204-

205).

Daí a importância de clarificar, ab initio, que o núcleo problemático da eutanásia se situa corrente e

tipicamente «‘no auxílio médico […] à morte de um paciente já incurso num processo de sofrimento cruel e

que, segundo o estado dos conhecimentos da medicina e um fundado juízo de prognose médica, conduzirá

inevitavelmente à morte; auxílio médico que previsivelmente determinará um encurtamento do período de vida

do moribundo’» (v. Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, ob. cit., anot. XXVIII ao artigo 24.º, p. 533, citando

Figueiredo Dias). É este o referente tradicional e fundamental, que está na base das ideias de humanidade e

compaixão enformadoras da noção de «boa morte» ou «morte tranquila», uma morte inevitável, mas sem

sofrimento.

Como as experiências de direito comparado comprovam, ao menos a questão da ajuda ao suicídio ou do

suicídio medicamente assistido – mas não já as da morte a pedido – também tem sido equacionada a partir de

uma perspetiva diferente, radicada na autonomia pessoal e na consequente capacidade de autodeterminação,

mesmo em relação ao fim da vida (v., muito particularmente, as decisões do Bundesvewrfassungsgericht, de

26 de fevereiro de 2020 [2 BvR 2347/15, em especial, Rn. 210 e 212-213] e do Verfassungsgerichtshof

(austríaco), de 11 de dezembro de 2020 [G 139/2019-71, em especial, Rn. 73-74 e 80-81]. Todavia, não foi

esse, manifestamente, o caminho seguido pelo legislador português, que não só decidiu tratar conjuntamente

a prática da antecipação da morte de uma pessoa a seu pedido e da ajuda à antecipação da morte igualmente

a pedido da pessoa que vai morrer (cfr. os artigos 2.º, n.º 1, 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 2, do Decreto n.º 109/XIV),

como, sobretudo, manteve a incriminação da ajuda ao suicídio prestada fora das condições previstas no

Decreto (cfr. o respetivo artigo 27.º).

16. Mesmo no referido quadro problemático de referência do legislador português é necessário e

conveniente clarificar algumas noções.

O termo eutanásia é proveniente do grego e decorre da junção das palavras eu (bem) e thanatos (morte),

expressando a ideia de uma «boa morte». Em sentido amplo, o conceito é usualmente utilizado de forma

indiferenciada para abarcar diferentes realidades associadas à morte assistida. Porém, em sentido estrito, é

empregue para denominar situações em que um terceiro provoca ativa ou passivamente a morte de outra

pessoa. Assim, a eutanásia ativa (direta) traduz-se na ação praticada por uma pessoa destinada a provocar

diretamente a morte de outra pessoa, a seu pedido. Ao invés, a eutanásia passiva traduz-se na omissão de

uma pessoa (em regra um médico) em adotar medidas de prolongamento da vida de outra, o que irá

invariavelmente provocar a sua morte. Enquanto a eutanásia ativa se encontra criminalizada em quase todos

os ordenamentos jurídicos a nível mundial (seja pela sua subsunção ao crime fundamental de homicídio ou a

um crime privilegiado de homicídio a pedido da vítima), a eutanásia passiva tem vindo a ser aceite de forma

mais generalizada, sendo permitida num número bastante mais alargado de Estados.

Distintas da eutanásia em sentido estrito são as situações de suicídio assistido (ou ajuda ao suicídio), em

que um terceiro se limita a auxiliar outra pessoa a cometer suicídio. A diferença para os casos de eutanásia

ativa reside no facto de não ser o terceiro a provocar diretamente a morte de outra pessoa, limitando-se a