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17 DE JUNHO DE 2022

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violações dos direitos dos trabalhadores, pelos créditos e encargos sociais do trabalhador, bem como pelo

pagamento das respetivas coimas. O objetivo era que numa obra, empresa ou exploração agrícola, a empresa

que recorre ao trabalho temporário ou a angariadores de mão-de-obra não poder invocar que não tem

responsabilidade ou alegar desconhecimento em relação ao que ali se passa. À época, era já conhecida a

dimensão do trabalho forçado e da exploração laboral, nomeadamente nas explorações agrícolas do Alentejo.

Mas apesar disso, nem todos acompanharam este passo.

CDS-PP e PSD votaram contra o diploma. As quatro confederações patronais, CAP, CCP, CIP e CTP,

divulgaram um comunicado conjunto em que alegaram que «o diploma não se limita a circunscrever a

responsabilização àqueles que, por ação ou omissão, praticaram a ilegalidade, indo muito para além destes»,

considerando que «as empresas de trabalho temporário, as agências privadas de colocação e os respetivos

utilizadores ficam, na prática, proscritas, atento o enorme risco que passam a comportar». Tal comunicado era

revelador do quanto alguns segmentos dos patrões portugueses se haviam habituado à impunidade no recurso

a cadeias de subcontratação. A raiva das confederações patronais contra este mecanismo de responsabilização

foi também expressiva da importância que atribuíam à manutenção destes esquemas de subcontratação e

recurso ao trabalho temporário.

No debate parlamentar, em 2016, o Bloco de Esquerda chamava já a atenção para a importância do combate

ao trabalho forçado. Na exposição de motivos, o projeto do Bloco considerava que «os proprietários agrícolas e

de grandes agroindústrias procuram esconder-se atrás de quem contrata os trabalhadores e não querem aceitar

responsabilidades sobre as condições em que a mão-de-obra é trazida e trabalha. Se a penalização cai apenas

sobre o angariador, apesar de ser o proprietário quem lucra no topo da cadeia, é muito difícil controlar o

fenómeno».

Com efeito, a responsabilização e penalização de toda a cadeia são essenciais no combate ao trabalho

forçado e aos crimes de tráfico de seres humanos. «Em casos extremos», dizia então o Bloco, «têm-se registado

fenómenos de trabalho forçado, com retenção de documentos de identificação dos trabalhadores, circunstância

que os coloca numa situação de total dependência, sem meios de subsistência, confrontados com dívidas

abusivas de alojamento e transporte, num País cuja língua não dominam. Este conjunto de fenómenos traduz-

se em grosseiras violações dos direitos humanos e configura o crime de tráfico humano, ou seja, a escravatura

em pleno Século XXI».

Este problema, como se vê, não é infelizmente novo. A alteração dos padrões de produção agrícola e de uso

da água para o efeito deu lugar, há anos, em Odemira por exemplo, a um nicho de enriquecimento feito de

horticultura superintensiva e, para lhe dar suporte, de um afluxo massivo de mão de obra hiperexplorada. A

rápida acumulação de lucro foi feita à custa dos baixos custos do trabalho: salários reduzidos, anulação de

direitos laborais elementares, fragilidade absoluta ou mesmo inexistência de vínculos contratuais, exploração.

Aos baixos custos do trabalho juntou-se a precariedade social em geral, sobretudo na habitação, com a

aglomeração obscena de dezenas de pessoas num mesmo espaço exíguo e sem condições mínimas de

habitabilidade, perante o crescimento de uma economia local que viu no aluguer de quartos uma galinha dos

ovos de ouro.

Não é apenas em Odemira que estes fenómenos acontecem. O surgimento das empresas de trabalho

temporário (ETT), que contratam trabalhadores não para si, mas para serem cedidos a terceiros, coexiste com

as designadas «prestadoras de serviços», que concorrem com as ETT de forma ainda mais desregulada,

constituindo-se na prática, e à margem da lei, como empresas de cedência de mão-de-obra, nomeadamente

para explorações agrícolas e obras. Num primeiro momento, muitos destes trabalhadores vinham dos países

mais pobres da União Europeia (Roménia e Bulgária) e do leste europeu (Ucrânia, Moldávia), nos anos mais

recentes, multiplica-se os trabalhadores oriundos de países asiáticos (Tailândia) e indostânicos (Nepal,

Paquistão, Índia, Bangladesch). Estes movimentos migratórios para Portugal, essenciais para as explorações

intensivas no sector primário, têm tornado os imigrantes presas fáceis para as redes mafiosas de exploração e

tráfico de mão-de-obra, muitas vezes encapotadas pela criação de «empresas na hora», tituladas por falsos

empresários que funcionam como meros testas-de-ferro. Frequentemente, estas empresas existem apenas até

serem intercetadas pelas autoridades, momento em que se extinguem ou desaparecem da circulação, para no

dia seguinte ser formada uma outra empresa com outro trabalhador que passou a ser empresário, sob a égide

da mesma rede.

Esta cascata de subcontratações e esta cadeia de biombos de «empresas na hora» dificultam em muito a