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II SÉRIE-A – NÚMERO 78

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dos modos de execução, dos instrumentos e do potencial de chegar a um número mais vasto de destinatários,

prolongando-se no tempo os danos causados às vítimas. Estas condutas são já suscetíveis de punição

sobretudo através do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal (nomeadamente

nos casos de pornografia de vingança contra alguém com quem se teve um relacionamento afetivo) ou através

do crime de devassa da vida privada contemplado no artigo 192.º do Código Penal quando a indiscrição tem

vítimas relativamente às quais inexiste o contexto relacional pressuposto na violência doméstica. Apesar de as

condutas não serem, portanto, atípicas e insuscetíveis de punição, reconhece-se a possível insuficiência da

moldura penal prevista para o crime de devassa da vida privada.

Todavia, ambos os projetos de lei contêm opções não isentas de dúvidas.

A primeira dificuldade vislumbra-se apenas no projeto de lei do PAN e prende-se com a configuração do

crime de divulgação não consentida de fotografias ou vídeos que contenham nudez ou ato sexual como crime

contra a liberdade sexual e não contra a reserva da vida privada.

O primeiro grande problema suscitado por esta iniciativa legislativa prende-se com a neocriminalização

como crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de uma conduta até agora subsumível no âmbito

dos crimes contra a intimidade da vida privada. Daqui resulta uma interrogação não despicienda: o bem

jurídico-penal que se pretende tutelar com a criminalização é a liberdade e autodeterminação sexual ou é a

intimidade da vida privada? Existe alguma razão para uma tão significativa alteração do enfoque que vem

sendo dado a estas condutas?

A disseminação não consensual de imagens íntimas – associada à partilha de imagens sexualmente

explícitas ou implícitas sem o consentimento da pessoa fotografada ou filmada – tem sido sobretudo

apresentada, no plano do direito comparado, como conduta violadora do direito ao respeito pela vida privada e

familiar, consagrado no artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – «Todas as pessoas

têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações». Neste

sentido, por exemplo, deve ter-se em conta a resposta da Comissão Europeia, em 2015, depois de ter sido

alvo de uma pergunta parlamentar através da qual se questionava se o direito ao esquecimento podia ser

convocado como fundamento para um apagamento de dados. Em 2017, confrontada com pergunta idêntica, a

Comissão reiterou aquele entendimento, assim como a admissão da possibilidade de requerer a remoção de

dados a motores de busca e websites. Este direito ao esquecimento, por vezes associado ao direito ao

apagamento de dados, chegou a ser apresentado como «remédio ideal» para as vítimas de disseminação não

consensual de imagens íntimas1.

De facto, o efeito porventura mais nocivo da disseminação não consensual de imagens íntimas é a

perpetuação da exposição das imagens de cariz privado, contra a vontade da vítima, tornando-se impossível a

reparação ou a neutralização dos danos sofridos, na medida em que tais danos se produzem continuadamente

ou de forma permanente. A consumação continuada dos danos relaciona-se com uma das principais

características da era digital: a «ascensão meteórica da lembrança» ou «um mundo que é programado para

lembrar»2. Mas talvez se trate de algo pior do que uma consumação continuada de danos – podem estar em

causa verdadeiros danos permanentes para a reserva da vida privada, o bom nome, a honra ou a reputação

de uma pessoa. Uma vez divulgadas online, as imagens íntimas cuja partilha não foi autorizada podem ser

visualizadas por um número indeterminado e crescente de pessoas, sendo extraordinariamente difícil o seu

apagamento porque, mesmo que sejam removidas do servidor, podem ter já sido guardadas por um conjunto

indefinido de pessoas desconhecidas.

Uma das manifestações mais comuns da disseminação não consensual de imagens íntimas é a revenge

porn (pornografia de vingança), relacionada com as hipóteses em que, terminado um relacionamento afetivo,

há divulgação por um dos sujeitos (com mais frequência, um homem) de imagens íntimas do outro (com mais

frequência, uma mulher), sem o seu consentimento, como forma de vingança. A pornografia de vingança é,

porém, apenas uma das manifestações da disseminação não consensual de imagens íntimas, na medida em

que as motivações de quem partilha tais imagens podem ser de outra índole. O agente do crime pode,

nomeadamente, almejar o lucro, a manipulação ou a subjugação da pessoa cujas imagens são divulgadas, a

gratificação sexual sua ou de outros.

1 Cfr. Érica Nogueira Soares D`ALMEIDA, Disseminação Não Consensual da Imagens Íntimas – Uma Análise à Luz do Regulamento Geral de Proteção de Dados, dissertação de mestrado, FDUC: 2020, ps. 8 e 9. 2 Cfr. Viktor MAYER-SCHÖNBERGER, Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age, New Jersey: Princeton University Press, 2009.