O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

27 DE SETEMBRO DE 2022

55

atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer na vida pública quer na vida privada»1.

Neste sentido, a Convenção de Istambul, no seu artigo 39.º, prevê expressamente a necessidade de os

Estados Parte assegurarem a criminalização de esterilizações forçadas, definindo estas condutas como «uma

cirurgia que tenha como finalidade ou efeito pôr fim à capacidade de reprodução natural de uma mulher, sem o

seu consentimento prévio e esclarecido ou sem que ela compreenda o procedimento».

Igualmente, o Comentário-Geral n.º 6 do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com

Deficiência (CRPD) estatui que, ao longo da História, a integridade, a igualdade e a dignidade têm sido negadas

às pessoas com deficiência e que a discriminação pode assumir formas especialmente brutais, aqui se incluindo,

aqui se incluindo as esterilizações em massa não consensuais e/ou forçadas2. Neste mesmo comentário, é

explicito que os Estados Parte da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência têm a obrigação

de respeitar, proteger e cumprir o direito de todas as pessoas com deficiência à não discriminação e à igualdade,

nomeadamente modificando ou abolindo leis, regulamentos ou práticas atentatórias destes direitos, incluindo as

que legitimem esterilizações não consensuais a meninas e mulheres com deficiência3.

De acordo com os censos de 2011, existem 1088 412 mulheres com incapacidade ou deficiência em

Portugal4. Apesar de não existirem dados oficiais sobre a violência contra raparigas e mulheres com deficiência

em Portugal, um estudo de 20145 evidencia que as mulheres e raparigas com deficiência estão mais expostas

à violência de género do que os rapazes e homens com deficiência. Neste estudo, das 31 mulheres

entrevistadas, 16 reportaram que tinham sido vítimas de pelo menos um episódio de violência física, verbal,

psicológica, sexual ou económica.

Outro estudo6, que incluiu 15 grupos focais, em todo o País, com pessoas trabalhadoras de organizações da

sociedade civil prestadoras de serviços para pessoas com deficiência e ativistas dos direitos das pessoas com

deficiência, evidencia relatos da existência de práticas de esterilização tubária não consensual pelo que os

autores do estudo concluem que esta forma de violência continua a ocorrer no País, independentemente da

origem socioeconômica e/ou cultural das raparigas e mulheres com deficiência.

Embora Portugal tenha legislação robusta para assegurar a proteção da integridade física das pessoas e o

seu consentimento informado, nomeadamente no âmbito de intervenções cirúrgicas ou tratamentos médicos7,

também existe legislação que prevê exceções às pessoas consideradas «psiquicamente incapazes», pelo que

estas podem ser sujeitas a processos de interrupção da gravidez tendo por base apenas um consentimento

escrito de representante legal ou membro da família8, ou a esterilizações forçadas mediante autorização judicial9.

É, aliás, por esta razão que Portugal integra a lista de países da União Europeia que permitem a esterilização

forçada10.

De notar que já em 2016 o CRPD tinha manifestado a sua preocupação sobre a manutenção destas práticas

abusivas em matéria de saúde e direitos sexuais e reprodutivos11.

Igualmente, em julho de 2022, o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as

Mulheres recomendou a Portugal12 a criminalização da esterilização forçada e a investigação e condenação

destas práticas, recomendando também a condução de campanhas de informação e sensibilização,

nomeadamente junto de mulheres com deficiência, e a garantia de compensação para as vítimas.

Curiosamente, nenhum relatório oficial do Estado português aborda diretamente esta realidade, nem há

qualquer referência expressa na Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência 2021-2025.

Competindo ao Governo, nomeadamente através dos Ministérios da Saúde e da Justiça, Secretaria de

1 Artigo 3.º, alínea a) da Convenção de Istambul. 2 CRPD/C/GC/6, de 26 de abril de 2018, §8. 3 Ibidem §32. 4 https://www.dn.pt/edicao-do-dia/02-dez-2018/-um-milhao-e-700-mil-portugueses-tem-incapacidade-somos-uma-sociedade-inclusiva-1026 4748.html. 5 Pinto, P.C. (Coord.); Cunha, M. J.; Cardim, M.E., Amaro, F., Veiga, C. & Teixeira, D. (2014a). Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal: Relatório Holístico. Lisboa: ISCSP. 6 Fontes, F. (2018, julho, 5-6). Disability and violence: multiple oppressions, intersectional readings. Em Transforming practices and knowledge through the lens of disability: experiences, transmissions, training, organizations. VII Annual Conference of ALTER – European Society for Disability Research, Lille – France. 7 P. ex. Lei n.º 36/98, de 24 de julho, e a Norma da Direção-Geral da Saúde n.º 15/2013, de 10 de março, atualizada a 4 de novembro de 2015. 8 Lei n.º 16/2007, de 17 de abril. 9 Entidade Reguladora da Saúde, Consentimento Informado – Relatório Final, maio de 2009. 10 Why is forced sterilisation still legal in the EU? – European Disability Forum (edf-feph.org). 11 CRPD/C/PRT/CO/1, de 20 de maio de 2016, §§36 e 37. 12 CEDAW/C/PRT/CO/10, de 12 de julho de 2022, §21.