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14 DE FEVEREIRO DE 2023

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As razões para a falta de medicamentos podem ser várias, desde problemas na produção a problemas na

distribuição, mas também o desinteresse da indústria em comercializar medicamentos a determinado preço e a

tentativa de aumentar o seu preço. Situações destas já aconteceram antes, mesmo sem qualquer quadro de

inflação global. Por exemplo, já em 2018, a Roche anunciou a sua decisão de retirar um xarope infantil utilizado

nos tratamentos de crianças imunodeprimidas, nomeadamente, situações oncológicas ou de crianças com HIV.

A razão para essa retirada era só uma: a farmacêutica considerou que esse medicamento deixou de ser rentável,

apesar de ser eficaz, de importante utilização e sem alternativas em Portugal.

Este motivo — o dos rendimentos que as farmacêuticas pretendem obter — é o que está muitas vezes por

trás das situações de rutura de medicamentos.

Não é coincidência que, por exemplo, a Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) tenha

aproveitado o atual momento para, mais uma vez, reivindicar o aumento dos preços dos medicamentos em

Portugal, argumentando que estes são muito baratos e ignorando que, mesmo com os atuais preços e com as

comparticipações feitas pelo SNS, existem milhares de pessoas que continuam sem conseguir comprar a

medicação que lhes é prescrita.

Dizia a Apifarma, em comunicado, que sem aumento dos preços «pode haver riscos de falhas no

fornecimento» e de «fármacos que podem ser descontinuados» ou deixar de ser fabricados por serem, segundo

eles, demasiado baratos.

Em primeiro lugar, o mecanismo de formação de preços de medicamentos não genéricos em Portugal tem

seguido a aplicação de uma média dos preços em vigor nos países de referência para o mesmo medicamento,

sendo esses países de referência: Espanha, França, Itália e Eslovénia. De referir que, em 2021, o PIB de França

foi de 2500 mil milhões de euros, o de Itália foi de 1782 mil milhões de euros, o de Espanha ultrapassou os 1200

mil milhões de euros e a Eslovénia atingiu os 52 mil milhões de euros. Destes países, apenas a Eslovénia tem

um PIB inferior a Portugal (214 mil milhões de euros), já o Estado espanhol tem um PIB quase seis vezes

superior ao português, Itália oito vezes superior e França mais de onze vezes superior. Se tivermos por termo

de comparação o PIB percapita, Portugal fica atrás de todos os países de referência: França tem um PIB per

capita de 36 660 euros, Itália de 30 148 euros, Espanha 25 497 euros, Eslovénia 24 769 euros e Portugal de

apenas 20 836 euros.

Estamos, por isso, a pagar os medicamentos ao valor que é praticado em países com muito mais poder de

compra, pelo que é difícil de acreditar que os medicamentos sejam baratos para o bolso de quem vive em

Portugal, com um rendimento francamente menor do que os rendimentos percapita em vários outros países

europeus.

Aliás, as portuguesas e os portugueses são, de entre os países da OCDE, os que mais pagam do seu próprio

bolso para aceder a cuidados de saúde, sendo os medicamentos uma das rubricas que fazem encarecer essa

fatura. Acresce que os medicamentos, em Portugal, não são nem baratos nem acessíveis a muitas pessoas,

mesmo já depois de comparticipados pelo SNS. Segundo estudos realizados consistentemente pela

Universidade Nova de Lisboa, o número de pessoas que dizem não ter comprado medicamentos que lhe foram

prescritos por falta de dinheiro variaram, entre 2017 e 2020, entre 10,7 % e os 5,4 %. Uma percentagem sempre

muito elevada, mas que piora quando se olha para a estrutura de rendimentos dos inquiridos: no grupo com

menores rendimentos, a percentagem e pessoas que deixou de adquirir e tomar medicamentos necessários

passou de 11 % para 15 % entre estes mesmos anos.

Em segundo lugar, o gasto do SNS com medicamentos, seja de uso hospitalar, seja na comparticipação de

medicamentos em ambulatório. Vemos que essa despesa é muito considerável e tem vindo a aumentar, fazendo

duvidar da narrativa sobre os medicamentos muito baratos: em 2021, o SNS teve uma despesa de 1430M de

euros com a comparticipação de medicamentos em ambulatório, o que representou um aumento de 5,2 %, ou

seja, mais 70,9 milhões de euros. Já no que toca a medicamentos de uso hospitalar, a despesa do SNS foi

superior a 1558 milhões de euros, um aumento anual de 11 %. Portanto, entre ambulatório e meio hospitalar, o

SNS gastou cerca de 3 mil milhões de euros em medicamentos, a que se somam os mais de 760 milhões de

euros que os utentes suportaram do seu próprio bolso.

De facto, se tivermos em conta a despesa com produtos farmacêuticos em ambulatório em percentagem das

despesas com saúde, segundo a OCDE, Portugal aparece com 15,6 %, ligeiramente abaixo da Eslovénia

(17,3 %) e da Itália (17,5 %) e ligeiramente acima de Espanha (15,1 %) e França (11,3 %), mas muito próximo

destes países.