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8 DE MARÇO DE 2023

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que a vítima de crime de violação o requeira, alargando, para o efeito, o regime previsto no n.º 2 do artigo 271.º

do CPP relativamente a processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor1 e

alterando o artigo 24.º do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro2; e

− do direito de as vítimas do crime de violação poderem escolher o género da pessoa que realizará o exame

ou as perícias, aditando, um n.º 3 ao artigo 17.º do referido Estatuto.

O projeto de lei em apreço contém cinco artigos: o primeiro, definidor do respetivo objeto; o segundo,

alterando o CP; o terceiro, alterando o CPP; o quarto, alterando a Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro; e o último,

fixando a data de entrada em vigor da lei a aprovar.

I. c) Enquadramento legal

Os crimes contra a liberdade sexual encontram-se previstos no Capítulo V do Título I do Livro II do Código

Penal. Estão tipificados os seguintes ilícitos criminais: crime de coação sexual (artigo 163.º); crime de violação

(artigo 164.º); crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º); crime de abuso sexual de

pessoa internada (artigo 166.º); crime de fraude sexual (artigo 167.º); crime de procriação artificial não

consentida (artigo 168.º); crime de lenocínio (artigo 169.º); crime de importunação sexual (artigo 170.º). A estes

ilícitos seguem-se os crimes contra a autodeterminação sexual e, por último, encontram-se, ainda, disposições

relativas ao agravamento das penas (artigo 177.º), bem como disposições relativas à queixa (artigo 178.º).

Quando o preceito legal que prevê o tipo de crime nada diz, o crime é público e a notícia do mesmo é

suficiente para a instauração do processo criminal, correndo o procedimento mesmo contra a vontade do titular

dos interesses ofendidos. Por seu turno, quando se requer uma queixa da pessoa com legitimidade para a

exercer, o crime é semipúblico e torna-se admissível a desistência da queixa. Por fim, o crime é particular

quando, além da queixa, é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se constitua assistente no

processo criminal e que, oportunamente, deduza acusação particular.

O procedimento criminal pelos crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º) e abuso sexual

de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º), depende de queixa, salvo se forem praticados contra menor ou

deles resultar suicídio ou morte da vítima, caso em que o crime é público e a simples notícia do crime é suficiente

para se iniciar o processo criminal (n.º 1 do artigo 178.º). Todavia, na sua redação atual e por força de alteração

legislativa ocorrida em 2015, nos termos do n.º 2 do artigo 178.º, «quando o procedimento pelos crimes previstos

nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis

meses a contar da data em que tiver conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da

vítima o aconselhe».

O artigo 178.º sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo especialmente relevante a alteração

introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 4 de setembro, que aditou o atual n.º 2 e renumerou os seguintes, garantindo

ao Ministério Público a possibilidade de dar início ao procedimento criminal, se o interesse da vítima o impuser.

Admitiu-se, por esta via, a possibilidade de instauração de procedimento criminal independentemente da

existência de queixa, por crimes contra a liberdade sexual, mas sempre em função do critério primordial que é

o interesse da vítima.

Até à data, foi recebido o parecer da APAV, no qual se manifesta o entendimento de que «o debate sobre a

natureza do crime de violação não deve cingir-se apenas à dicotomia pública vs semipública; e que, seja qual

for a opção, as necessidades das vítimas do crime de violação implicam uma abordagem muito mais abrangente,

até ao nível do quadro legal, do que a atualmente em vigor. Começando pela natureza do crime, afirma-se desde

já a não concordância com uma solução “pura”, isto é, não se considera como positiva para as vítimas nem a

publicitação “tout-court” do crime, nem a escolha da opção semipública enquanto conferidora de um poder

absoluto da vítima ao nível do impulso processual, nem é, diga-se, essa a situação atualmente em vigor em

Portugal. Entende-se que, qualquer que seja a opção quanto à natureza do crime, a mesma deverá ser mitigada,

de modo a permitir ao sistema de justiça a flexibilidade suficiente para acomodar a vontade e as necessidades

1 Note-se que, colateralmente, os proponentes eliminam desse n.º 2 o inciso «desde que a vítima não seja ainda maior». 2 Note-se que a pretensão dos proponentes – ao eliminar o verbo auxiliar «pode» – era tornar obrigatória a tomada de declarações para memória futura sempre que a mesma fosse requerida pela vítima ou Ministério Público; contudo, tal como disposto no seu n.º 2, o Estatuto da Vítima tem de ser compatibilizado, entre outros, com o regime plasmado no CPP.