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9 DE MAIO DE 2023

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PROJETO DE LEI N.º 763/XV/1.ª

LEI DE BASES GERAIS DA CAÇA

Exposição de motivos

Volvidas cerca de duas décadas desde a publicação da Lei n.º 173/99, de 21 de setembro, que instituiu a Lei

de Bases Gerais da Caça, e do respetivo regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,

ainda que com sucessivas alterações que, no essencial, mantiveram a disciplina jurídica originária, impõe-se,

no momento atual, uma expressiva reforma do regime jurídico da caça, de forma a, pelo menos, procurar

conciliar a gestão e o exercício dessa atividade, que é socialmente fraturante, com os imperativos, socialmente

consensuais, da conservação da natureza, da proteção do ambiente e da biodiversidade e do respeito pelos

animais.

Casos recentes amplamente divulgados como o evento que levou à morte de mais de 500 animais indefesos

e confinados na Quinta da Torre Bela, no concelho de Azambuja, em dezembro de 2020, ou as cruentas e

sistemáticas montarias durante as quais um número ilimitado de cães atacam à dentada javalis e outros animais,

têm vindo a suscitar generalizada contestação e forte alarme social em torno do fenómeno da caça.

Estão em causa cenários reais de horror, impróprios de uma sociedade que se diz e se pretende evoluída, a

par de anacronismos legais gritantes, desfasados dos atuais valores de respeito pela natureza e pelos animais.

A título de exemplo, cite-se a possibilidade de, em pleno século XXI, continuar a ser possível em Portugal

matar animais à paulada, com lanças, com bestas ou com arcos, ou, ainda, a viabilidade de confrontar

mortalmente animais através da utilização de cães, de furões ou de aves de rapina como instrumentos de caça.

Ou seja, admite-se a utilização de meios que inquestionavelmente são causadores de elevado e injustificado

sofrimento aos animais, posto que há meios alternativos menos pungentes como seja a utilização de armas de

fogo.

Por outro lado, a lei vigente permite que animais de espécies consideradas cinegéticas sejam criados, detidos

e reproduzidos em cativeiro para serem abatidos em treinos e no exercício da caça desportiva para fins lúdicos.

Tal realidade não é hoje eticamente aceitável, condenando anualmente largos milhares de animais a uma

breve vida de confinamento para, no único momento de liberdade que lhes é concedido, servirem de mero alvo

em exercícios de pontaria, que obviamente podem e devem ser realizados com recurso a objetos inanimados.

Ora, só na época venatória de 2018/2019 foram abatidos nas zonas de caça, entre outras espécies de

animais, 744 106 tordos, 147 687 pombos, 127 889 perdizes-vermelhas e 115 929 coelhos-bravos, num total de

1 329 149 animais, muitos dos quais criados em cativeiro para esse fim.

Por força da Lei n.º 8/2017, de 3 de março, os animais gozam atualmente, entre nós, de um estatuto legal

que lhes reconhece dignidade enquanto seres vivos sensíveis e merecedores de proteção em virtude dessa sua

natureza, estando inclusive vedado ao proprietário de quaisquer animais causar-lhes dor, sofrimento ou

quaisquer outros maus-tratos injustificados, abandono ou morte.

Impõe-se, outrossim por tal proveniência, adequar o regime jurídico da caça aos princípios e normas legais

entretanto aprovados e vigentes nessa matéria, na perspetiva da coerência sistémica.

Como é sobejamente conhecido e tem vindo a ser crescentemente denunciado pela sociedade civil, em geral,

e pelas organizações ambientalistas, em particular, a realidade da caça, respaldada por um regime jurídico

conivente, consiste hoje na mera exploração dos ecossistemas, alimentada por autênticas fábricas de produção

de animais, desnaturados pelo confinamento e destinados a alvo fácil de caça para gáudio de um número cada

vez mais reduzido de praticantes.

Segundo dados divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) referentes a maio

de 2020, a maioria dos caçadores, distribuídos por classes etárias, tem entre 61 e 70 anos de idade e os

caçadores com idade até 30 anos representam 2,9 % do total, o que é bem sintomático do crescente e acentuado

declínio dessa atividade, bem como do desinteresse ou repúdio dos mais jovens pela mesma.

Nesse contexto, que espelha o declínio do setor da caça e decrescente número limitado de praticantes,

carece totalmente de justificação que cerca de 80 % do território nacional esteja ocupado com 5103 zonas de

caça, o equivalente a uma área superior a 7 milhões de hectares, na sua maioria zonas de caça «associativas»

e «turísticas».