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II SÉRIE-A — NÚMERO 166

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habitacionais correntes4. Um outro relatório de 2024 da OCDE refere que Portugal é o terceiro país com maior

número de fogos por mil habitantes (574), a seguir a Itália e França5.

As soluções passam pelo foco na criação de um parque habitacional público, na reabilitação, no

levantamento do património público, na construção de habitação acessível; nos milhares de casas vazias com

vista à sua introdução no mercado de arrendamento ou aquisição, nos instrumentos de arrefecimento dos

preços do mercado, no combate à especulação imobiliária – e não na dispersão da mancha urbana. A verdade

é que não há dados públicos sobre que percentagem de terrenos urbanos, dos que existem, ainda não têm

qualquer tipo de construção. Os especialistas apontam que as alterações ao RJIGT irão contribuir para o

aumento dos preços da habitação e que a justificação para a sua necessidade não tem sustentação na

realidade.

Ora: apesar das declarações por parte de membros do Governo de que a pretensão é garantir que a nova

construção seja para habitação pública ou de valor moderado, há muitas questões sobre como irá isto ser

assegurado, uma preocupação que se adensa quando se compreende que este valor estará diretamente

relacionado e dependente dos preços praticados pelo mercado6. A intenção do Governo acaba, por outro lado,

por ficar clara, quando, ao publicar a versão final do diploma, o Executivo deixa cair o arrendamento acessível

como uma das condições necessárias para que os municípios possam autorizar a conversão de solos rústicos

em urbanos7.

Acresce dizer que as alterações ao RJIGT não comprometem apenas o acesso das pessoas a habitação

comportável e acessível. Com esta lei, corre-se o sério risco de se perder uma visão integrada do território e

do seu ordenamento, comprometendo, com isso, os solos nacionais. É extraordinário que este seja o único

caminho apontado pelo Governo, quando 70 % dos solos em Portugal estão degradados e estão cada vez

menos saudáveis8, e é fundamental que não se subestime a importância de solos saudáveis para a

manutenção da vida na terra. É que os solos regulam ciclos fundamentais, como o da água e dos nutrientes, e

contribuem para o sequestro do carbono, ajudando a mitigar os efeitos das alterações climáticas, sendo

essenciais para a alimentação e qualidade de vida. São precisos solos renaturalizados e capazes de infiltrar

água, algo previsto inclusivamente no Plano Nacional de Restauro.

Sobre as alterações ao RJIGT, diga-se ainda que, e estranhamente, nem as áreas sensíveis estão

salvaguardadas de uma potencial reclassificação. Senão veja-se: nem todas as zonas da Reserva Ecológica

Nacional estão excluídas deste processo, as áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de

aquíferos, áreas de elevado risco de erosão do solo e áreas de instabilidade de vertentes não estão listadas

como exceções9. No caso da Reserva Agrícola Nacional, apenas as terras com aptidão muito elevada ou

elevada para o uso agrícola estão excluídas. Tudo o resto pode ser reclassificado para construção.

O novo regime é criticado e considerado um retrocesso por muitos daqueles que estudam e defendem o

património natural e a utilização sustentável dos solos. Estes investigadores consideram que as possibilidades

que consagram vão diretamente contra as orientações estratégicas e a legislação da Comissão Europeia,

como o Pacto Verde Europeu, a Lei de Restauro da Natureza, a Lei de Monitorização dos Solos e a estratégia

para os solos do Pacto para o Solo na Europa10. Todos estes documentos definem metas claras para a

melhoria da saúde dos solos até 2050 e pedem ações urgentes contra a impermeabilização de mais solo por

construção, acrescentando que esta deve ser limitada ao território já urbanizado. A lei recentemente aprovada

contraria frontalmente todos estes instrumentos e é um retrocesso enorme em termos de gestão inteligente e

integrada do território. O próprio Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) de 2024 refere que

«a impermeabilização do solo, processo usualmente associado à urbanização do território, é considerado

como um dos fatores que mais contribui para a degradação deste recurso porque deteriora as funções por

este prestados no seu estado natural, nomeadamente a produção de alimentos e de materiais renováveis, a

regulação do ciclo da água, a captura e armazenamento de carbono orgânico e a oferta de habitats para a

biodiversidade»11. Num País em que os incêndios devastam o território ano após ano, gerando risco de

4 São precisas 137 mil casas para responder às carências habitacionais em Portugal – Habitação – Público. 5 Portugal é o país com mais casas por habitante, mas 12,5% estão vazias – Idealista. 6 Lei dos solos: A urbanização em terrenos rústicos «é uma entorse assente em falsos álibis», diz Helena Roseta – Expresso. 7 Governo deixa cair arrendamento acessível na lei dos solos – Habitação – Público. 8 70% dos solos em Portugal degradados e estão cada vez menos saudáveis – Expresso. 9 A nova lei dos solos em seis respostas: da «mudança estrutural» à «especulação» – Perguntas e respostas – Público. 10 Solos: Carta aberta ao Governo e à ANMP – Opinião – Público. 11 Relatório do Estado do Ordenamento do Território 2024 (versão para discussão pública), pág. 26.