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II SÉRIE-B — NÚMERO 30

S. Ex.a devolveu o processo a esta Comissão, tal como fora sugerido.

Cumpre-nos, por isso, analisar as questões e dar parecer.

B — Analise das questões

Daquele bem elaborado parecer retiramos as seguintes ilações:

1.° O direito consignado no n.° 4 do artigo 181.° da CRP é um direito potestativo; porém, para se verificar o seu exercício,

2.° Não basta a sua consagração constitucional. Torna-se necessário, em cada caso concreto, verificar se estão preenchidos os pressupostos e as exigências formais e substantivas que o justificam.

A Constituição, a lei e o Regimento não contemplam esta última questão. Trata-se, efectivamente, «de matéria omissa».

Mas ela tem uma importância decisiva para o exercício do direito invocado. Contudo, o seu exercício não se encontra suficientemente regulamentado e de tal sorte que a omissão apontada poderá pôr em causa a sua efectivação concreta. Efectivamente, pensamos que a realização e aplicação práticas do direito só são possíveis quando está legalmente estabelecido o processo do seu exercício.

É neste quadro de pensamento que nos propomos analisar aquelas questões.

É dado adquirido e incontestável que o requerimento em apreço foi formulado ao abrigo de um direito que tem a natureza de direito potestativo.

A consagração constitucional desse direito constitui uma aplaudida conquista da democracia.

Na verdade, o direito potestativo de constituir comissões de inquérito à revelia da vontade da maioria parlamentar traduz o reconhecimento do valor das minorias ou da oposição no papel que lhes cabe no desenvolvimento e afirmação da democracia pluralista.

É que, como escreveu Karl Popper, «a essência da democracia não é o governo da maioria mas o controlo sobre os governos».

Por vjrtude da consagração constitucional daquele direito, as oposições passaram a dispor de um especial e importante instrumento no quadro da competência fiscalizadora da Assembleia da República.

Com o reconhecimento de tal direito ganham os governos, ganha a Administração e ganha a democracia.

Foi, certamente, por estas e outras razões, que aqui não importa aflorar, que a consagração de tal direito fora o resultado de uma votação unânime, aquando da segunda revisão constitucional. Ele expressa um dos mais relevantes princípios em favor da verdade, da transparência e da responsabilidade com que deve ser desenvolvida a actividade dos agentes públicos e políticos.

É certo que, segundo pensamos, aquele consagrado direito está ainda muito limitado quanto ao seu conteúdo e respectivos efeitos.

Na verdade, como direito potestativo, ele circunscreve-se, tão-só, à iniciativa de requerer a constituição obrigatória de comissão de inquérito.

Tudo o mais, quer quanto à constituição da comissão, quer quanto à sua organização interna, desenvolvimento, processos e meios de actuação, está sujeito

aos princípios regimentais que regulam as comissões de inquérito, que têm a sua fonte no reconhecimento de outras iniciativas.

Sucede, porém, que o referido direito é posterior á lei n.° 43/77 e o Regimento não contemplou, nas suas revisões posteriores, a regulamentação daquele direito potestativo.

Estão, por isso, em aberto algumas questões de solução difícil e delicada porque falta o suporte jurídico regulamentar para a conduzir.

É que, consagrado o princípio, fixado o direito, importava regulamentar a forma, o modo e os termos do seu exercício.

Efectivamente, não basta invocar principios e direitos quando se trata da sua realização concreta. O tempo, o modo, a forma e os termos da sua realização concreta têm muito a ver com as situações reais da aplicação do direito, mesmo quando se trata de direitos potestativos.

E se o que deixo referido, quanto ao exercício generalizado dos direitos, tem alguma importância, ela é verdadeiramente relevante quando os normativos jurídicos têm particular incidência nos fenómenos políticos e respeitam aos órgãos que os produziram, designadamente à Assembleia da República.

Situamo-nos então no espaço que poderemos designar do «direito parlamentar».

Sendo este um direito muito flexível, porque sujeito a factores de ordem vária, onde o sentido da oportunidade e estratégias políticas, o peso dos interesses sociais que o envolvem, as complicadas perspectivas dos agentes políticos e as finalidades dos órgãos que o criaram o fazem flutuar e tomar feições diversas, ao sabor, tantas vezes, dos interesses de conjuntura, a sua interpretação e aplicação adquire uma maior delicadeza e melindre.

Efectivamente, a análise dos normativos que preenchem aquele «direito parlamentar» implica uma série de factores que passam, designadamente, pelos de natureza política, social, cultural, jurídica, moral e ética. Daí uma dificuldade acrescida quando, para além da interpretação, se procura a realização concreta do referido direito.

No caso em apreço, estamos em presença de um direito potestativo quanto à iniciativa parlamentar para a criação obrigatória «de uma nova comissão eventual de inquérito».

Trata-se, portanto, da iniciativa de constituição de uma «nova comissão», o que traz implícita a ideia de que a outra existe ou existiu, tendo como objecto os actos administrativos na área do Ministério da Saúde.

Em razão do que acima dissemos, quanto à aplicação prática do direito potestativo invocado, surgem-nos as seguintes questões:

Como viabilizar aquele direito potestativo:

1.° Se os fundamentos do requerimento não estiverem em consonância com o objecto por ele indicado?

2.° Se os fundamentos ou o objecto, ou ambos, forem inconstitucionais ou ilegais?

3.° Se existir já uma comissão, legitimamente constituída, com o mesmo ou idêntico objecto?

4.° Se o objecto for o mesmo que ocupou outra comissão de inquérito cujo relatório final já foi apreciado pelo Plenário?