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II SÉRIE-B — NÚMERO 14
6 — Quanto à matéria deste segundo relatório, a Comissão nomeou primeiramente relator o Deputado Victor de Moura, mas o seu relatório foi rejeitado em 17 de Dezembro passado, com os votos contra do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do PS. Cabe aqui louvar o cuidadoso trabalho realizado pelo Deputado Victor Moura. Só que a Comissão, por maioria, não aceitou as teses do relator acerca da interpretação da Lei n.° 1/73.
Para o Deputado Victor Moura, a Lei n.°l/73 foi objecto de «interpretação extensiva», e «não contém enumeração taxativa das pessoas jurídicas susceptíveis de beneficiar de avales». Pelo que conclui que «lodos os avales prestados pelo Estado, entre 1974 e 1997, se enquadram nas bases i e n da Lei n.° 1/73».
Estas premissas e conclusão conflituam com o primeiro relatório aprovado pela Comissão e com a conclusão nele tirada, tanto quanto à interpretação da lei como quanto ao caso do aval à U"GT. que a Comissão considerou ilegal.
Aquela premissa e conclusão também não podem ter assento nos casos investigados pela Comissão, como se verá a seguir na análise que se vai fazer aos cinco casos.
Mas, de qualquer forma, o presente relatório opta deliberadamente por não reabrir a questão da interpretação da Lei n.° 1/73, questão já decidida pela Comissão, limitando-se a estabelecer as condições de concessão de cada um desses cinco avales. Por outro lado, e ao contrário do que foi feito no relatório"do Deputado Victor Moura, não se adita qualquer caso aos referidos, já que não existe mandato da Comissão para isso.
7 — Banco Nacional da Guiné-Bissau. — Trata-se de três avales, concedidos não ao abrigo da Lei n.° 1/73 mas, sim, em execução do Protocolo sobre Cooperação Financeira entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da Guiné--Bissau, aprovado pelo Decreto n.° 65/84, de 11 de Outubro. São, portanto, avales que se inserem no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na política de cooperação económica com os países africanos de língua portuguesa. O terceiro aval inscre-se na mesma política, e decorre dos acordos firmados em 31 de Outubro de 1986 entre representantes da República Portuguesa e da República da Guiné--Bissau.
Está, assim, fora de questão a análise destes avales à luz das bases da Lei n.° 1/73, dado que o seu quadro jurídico de referência é outro: é o da assunpção pelo Estado Português de determinadas obrigações em execução da política externa definida e dos instrumentos jurídicos que a baseiam.
Está fora do âmbito desta Comissão de Inquérito a análise das medidas concretas tomadas no âmbito da política de cooperação com as PALOP.
De qualquer forma, dir-se-á que, se tivesse aplicação a base li da Lei n.° 1/73, poder-se-ia afirmar que houve preocupação quanto à conformidade do aval com essa base.
8 — Banco de Moçambique. — Trata-se de um aval concedido ao abrigo da Lei n.° 5/87, de 15 de Janeiro, de autorização para consolidação da dívida de Moçambique a Portugal.
Valem aqui, mutatis mutandis, todas as considerações feitas a propósito dos avales concedidos ao Banco Nacional da Guiné-Bissau.
9 — Grémio dos Armadores da Pesca do Arrasto. — Trata-se de uma operação de concessão de aval que decorre da situação do facto de a Secretaria de Estado das Pescas ter garantido operações de crédito feitas por algumas entidades que dela dependiam. No caso concreto, tratava-se de uma letra endossada ao Grémio em questão, com o valor de pouco
mais de 3000 contos, e descontada no BNU. Posteriormente, a letra foi reformada, por amortização parcial, e a garantia efectivamente prestada foi para o montante de pouco mais de 2500 contos (despacho do Secretário de Estado do Tesouro de 19 de Março de 1979). Em 26 de Outubro foi avalizada uma livrança no valor de 5000 contos, também decorrente dc «garantia» prestada pela Secretaria de Estado das Pescas. Os valores em dívida foram liquidados em 31 de Maio de 1982, tendo sido pagas as taxas de avales.
Quanto à natureza da entidade, o Grémio em questão não tem nada a ver com uma organização de classe. Não é o reverso patronal da UGT... De facto, no Estado fascista este tipo de grémios, de inscrição obrigatória, não são associações, muito menos associações empresariais. São, efectivamente, pessoas colectivas de direito público, integradas na organização corporativa do Estado fascista, com poderes de autoridade. Os avales são assim conformes à base i da Lei n.° 1/73.
Quanto ao cumprimento da base n, da leitura do processo não resulta qual a natureza do projecto ou empreendimentos garantidos pela Secretaria de Estado das Pescas, dado que materialmente é aí que nasce o aval. A documentação existente refere-se à formalização por aval da Dirccção-Ge-ral do Tesouro das garantias prestadas pela Secretaria de Estado das Pescas, nada adiantando quanto aos empreendimentos ou projectos envolvidos. Essa documentação é suficiente, no entanto, para provar que a participação pública impunha a prestação da garantia, o que preenche o requisito relevante inscrito no n.° 1 da base n.
10—Fundação Ricardo Espírito Santo. —O aval (despacho do Secretário de Estado do Tesouro de 25 de Março de 1981, no montante de 37 000 contos) decorre de uma situação de incumprimento reiterado pelo Estado das suas obrigações. De facto, a Fundação é criada com base numa doação privada pelo Decreto-Lei n.° 39 190, de 1953. Foi logo assumido que a Fundação carecia de subsídios do Estado (cf. artigo 2.°, parágrafo 12, do citado decreto-lei). Mas a realidade é que estes nunca foram concedidos, obrigando, assim, a Fundação a recorrer a empréstimos junto do BESCL para cobrir os saldos negativos. Em 1980, o BESCL (nacionalizado) assina um protocolo com a Fundação para consolidação da dívida em 10 anos. A hipótese para recuperar a Fundação tinha de ter por base o facto de a situação da Fundação resultar do facto de o Estado não ler cumprido a sua obrigação de a subsidiar. As hipóteses possíveis passavam sempre pelo pagamento dos subsídios em dívida, ou à Fundação para esta pagar ao BESCL, ou directamente ao BESCL. Preferiu o Estado avalizar a dívida da Fundação ao BESCL, sabendo de antemão que a Fundação não tinha qualquer possibilidade de a amortizar. O resultado foi o óbvio: o aval foi executado e o Estado pagou a dívida, que, na verdade, era sua!
Quanto ao cumprimento da base i, importa registar que a Fundação é uma pessoa colectiva de direito privado e regime administrativo. Estas pessoas colectivas compreendem os organismos corporativos facultativos, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as sociedades dc interesse colectivo. Por sua vez a utilidade pública administrativa pode ser local ou geral. Marcelo Caetano dá mesmo como exemplo dc pessoas de utilidade administrativa geral esta Fundação.
Quanto ao acompanhamento da base n, importa registar que são fins da Fundação «o estudo e a defesa das artes decorativas portuguesas, a manutenção das suas características tradicionais, a educação do gosto do público e o desenvolvimento da sensibilidade artística e cultural dos artífices»,