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II SÉRIE-B — NÚMERO 36

Unindo os pés do piloto a partir da zona central da cabina com o corpo de costas de Amaro da Costa parcialmente encoberto, teríamos um local para existir uma forte concentração de material arrastado pelos gases de uma deflagração: justamente a axila esquerda de A. Costa, que constitui uma zona de retenção natural para fragmentos projectados de baixo para cima.

Parte desses fragmentos vão continuar em linha recta e salpicar justamente a peça 7, entre as janelas, dando-lhe o aspecto de ter fundido parcialmente visto ter recebido partículas projectadas contra a sua superfície. Será o lugar lógico para restar algo relacionável quimicamente com uma deflagração. Ora é aí justamente e só aí que vão ser encontrados vestígios de explosivos e logicamente não serão encontrados na cabina por uma razão simples: a peça 7 não estava na cabina quando esta foi sujeita a alta temperatura, originando a decomposição das moléculas orgânicas dos explosivos.

O arrastamento pelo efeito de sopro de tal quantidade de pedaços de alumínio parece coerente com a explicação de parte desse material metálico estar situada entre o foco da deflagração e o corpo de Amaro da Costa, isto é, com grande probabilidade, o engenho estar do lado de fora do aparelho. Em termos de colocação, esta parece também a opção mais lógica, pois a entrada forçada no avião, para colocar dentro qualquer engenho, levantaria suspeitas à tripulação, podendo levar à sua descoberta.

2.4 — Efeitos possíveis da acção de um agente fumígeno disperso por acção de uma pequena carga explosiva

O choque provocado nos pés do piloto pelos fragmentos metálicos aí encontrados, bem como eventuais ferimentos na cara sugeridos pelos relatórios da autópsia e pela observação das radiografias da cabeça, provocariam decerto um estado doloroso intenso pouco compatível com as manobras de pilotagem.

A eventual deflagração deverá ter ocorrido de baixo para cima, visto que os vestígios são mais abundantes nos pés. Por acção da força do impacte o piloto poderia ter sofrido uma concussão, como se assinala no relatório Mason (\"ip562). A situação é compatível com a hemorragia craniana assinalada [hemorragia epidual (13p561 ]; se esta não for de origem térmica, deve ser um elemento a ter em conta como possível indiciador de um choque violento que pode ter afectado as condições de pilotagem.

A invasão instantânea da cabina por fumo, associada aos gases da explosão, tornaria a atmosfera irrespirável em poucos segundos. O consumo rápido do oxigénio resultante da fina divisão dos componentes de um engenho fumígeno tornam-no altamente perigoso, como refere o manual da NATO.

A produção rápida de monóxido de carbono causa, para concentrações da ordem de 10 % no ar, a morte em cerca de um minuto (18).

Neste quadro o piloto poderá ter perdido mais rapidamente a consciência do que os restantes passageiros, o que é concordante com a mais baixa taxa de carboxi-hemo-globina (40 %) conua OS 52 %-62 % das restantes vítimas.

3 — Conclusões

1 — A medição da densidade dos corpos estranhos observáveis na radiografia dos pés do piloto J. Albuquerque permitiu distinguir duas classes de meteríais: —uma compatível com coeficiente de absorção do óxido de

ferro pelos raios X, 50 KV, e outra compatível com o coeficiente de absorção da liga aeronáutica 2024. Estes resultados reforçam a posição dos peritos médicos Drs. Saldanha Sanches, Xavier de Brito e Aires de Sousa,

2 — A correlação entre as ilações tiradas por médicos radiologistas e as análises químicas feitas por EDS pelo RARDE na amostra H não é possível, visto que as partículas, objecto de apreciação médica, são macroscópicas, enquanto as partículas analisadas quimicamente são microscópicas. A prevalência da informação analítica sobre a radiológica, como sempre pretendeu o procurador da República é neste caso insustentável.

3 — Na generalidade dos constituintes da liga aeronáutica que tombaram sobre os corpos, bem como nos componentes de alumínio da frente do cockpit, não seria possível encontrar vestígios de deformação plástica anterior, nomeadamente fenómenos de maclagem (pitting), em virtude da recrístalização ou mesmo fusão incipiente (liquação) desses materiais.

Assim, o argumento de que não foram encontrados vestígios físicos de explosão é inaplicável à grande parte dos materiais metálicos do cockpit, visto que se alguma vez tivessem existido teriam obrigatoriamente desaparecido durante o incêndio.

4 — Não se encontrou nenhuma explicação plausível para o aparecimento de fragmentos metálicos, provavelmente de aço, nos pés do piloto a não ser no caso de ter havido uma deflagração localizada.

5 — O aparecimento de numerosas partículas da liga de alumínio microscópicas, referenciadas nas radiografias e identificadas por observação em microscopia electrónica efectuadas pelo RARDE, é incompatível com a elevada viscosidade e tensão superficial da liga aeronáutica fundida e com a baixa energia potencial disponível no caso de desmoronamento do cockpit após a sua imobilização. Ensaios efectuados no Departamento de Metalurgia da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto demonstraram que a formação de vestígios metálicos microscópicos apenas pode ocorrer de forma circunscrita no local de impacte da gota, se houver contacto com uma superfície que origine a formação de um ressalto dessa gota.

A sua presença não é explicável partindo da tese de acidente seguido de incêndio.

6 — A luz da ciência dos materiais não se encontram explicações para os diferentes fenómenos observados, dos quais restaram provas materiais, a não ser admitindo ter--se verificado uma deflagração localizada, eventualmente de baixa potência, na proximidade do lugar do piloto, provavelmente do lado de fora da cabina.

7 — Unindo as provas materiais, é possível traçar uma trajectória coerente para uma deflagração de pequena potência vinda de baixo para cima: fragmentos nos pés do piloto (excepto na zona protegida pelos pedais); lado esquerdo de A. Costa com fragmentos metálicos em grande quantidade, em particular na axila desse lado; elemento estrutural destacado do aparelho situado mais acima e na mesma trajectória onde se encontraram vestígios de explosivos.

8 — Os alegados fundamentos oficiais para a rejeição de hipótese de uma causa não acidental da queda do avião Cessna em 4 de Dezembro de 1980 revelaram-se incoerentes e cientificamente insustentáveis. Em nosso entender apenas parte dos vestígios encontrados bastaria para indiciar uma deflagração como a causa que originou a queda do aparelho.

Porto e FEUP, 22 de Junho de 1999. — José Cavalheiro, professor associado.