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II SÉRIE-B — NÚMERO 36
No final do jantar pediu à sua companheira, Gina, que fosse à casa onde vivia no Cacém, ou seja, num apartamento que pertencia à irmão da Gina, limpar a sala de quaisquer vestígios de materiais ou instrumentos utilizados
na montagem e preparação da bomba que ele fabricou para
o atentado de Camarate, uma vez que a mulher-a-dias ia
trabalhar lá no dia seguinte. Referiu concretamente ter
fabricado esta bomba alguns dias antes do atentado de Camarate e que alguns dos materiais que utilizou para esse efeito foram adquiridos por si numa drogaria próxima de sua casa no Cacém. A Gina aceitou executar essa tarefa de limpeza, tendo ido lá a casa sozinha limpar a sala, embora tenha apenas saído mais tarde de minha casa em companhia do Sr. José Esteves. A Gina não voltou depois a minha casa nessa noite, tendo, segundo creio, ido dormir a casa da mãe dela. O José Esteves pediu ainda à Gina que, nos dias seguintes, verificasse se havia polícias, pessoas ou carros desconhecidos junto à sua casa, que, como se referiu, se situava no Cacém. Com efeito, José Esteves justificou este pedido, referindo que estava com medo de que a polícia o procurasse pelo seu envolvimento no atentado de Camarate.
Por outro lado, e várias vezes durante essa noite, o Sr. José Esteves tentou de minha casa telefonar para o Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo. Durante as primeiras três tentativas, atendeu uma senhora que disse que o Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo não estava, ao que o José Esteves respondeu dizendo que precisava urgentemente de falar com ele, uma vez que, em face do que se tinha passado em Camarate, precisava de receber protecção e de tratar da sua segurança pessoal. Ao terminar estes telefonemas, o Sr. José Esteves referiu-nos ter a certeza de que o tenente-coronel Lencastre Bernardo estava, mas que não queria falar com ele em face das notícias que já circulavam por todo o País sobre o desastre
de Camarate.
Pelas 12 horas e 45 minutos o José Esteves fez o quarto telefonema para o tenente-coronel e disse à referida senhora que, se dentro de quarenta minutos o tenente--cOTonel Lencastre Bernardo não lhe atendesse o telefone para tratar da sua (José Esteves) protecção pessoal, o (enente-coronel Lencastre Bernardo teria de aguentar com as consequências, e que ele, José Esteves, iria contar tudo sobre o atentado de Camarate. Referiu concretamente que não estava disposto a ser o único a pagar pelas mortes que haviam ocorrido nessa noite em Camarate.
Passados cerca de trinta minutos, ou seja, cerca da 1 hora e 15 minutos da manhã, o Sr. José Esteves, que continuava muito atento às notícias sobre Camarate, na televisão e na rádio, voltou a telefonar para a mesma pessoa. Dessa vez, quer o telefone tenha sido novamente atentido pela referida senhora, ou já pelo tenente-coronel Lencastre Bernardo, o certo é que o José Esteves conseguiu logo começar a falar com o tenente-coronel Lencastre Bernardo. Perante uma pergunta que terá sido formulada pelo Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo, o José Esteves respondeu que estava em casa de um familiar, mas que naquele momento podia falar à vontade porque estava sozinho. Esta afirmação não correspondia à verdade, pois estivamos os quatro na mesma sala e ouvimos a conversa. Em seguida o José Esteves disse-lhe que estava com medo de ser preso por causa do atentado de Camarate e que o tenente-coronel Lencastre Bernardo tinha de lhe resolver a Sua situação. Exigiu também que se encontrassem nessa mesma noite.
Em face destes argumentos, o tenente-coronel Lencastre Bernardo concordou encontrar-se com ele nessa noite. Fiquei com a impressão de que, perante os diversos pedidos e receios apresentados pelo Sr. José Esteves nesse telefonema, o tenente-coronel Lencastre Bernardo preferiu
encontrar-se com ele nessa noite, em vez de prolongar essa conversa telefónica. Fiquei também de tal maneira
apavorada e enojada com todas estas conversas que fui ao meu quarto conversar com o meu marido e disse que não queria o Sr. Esteves em minha casa, pois poderíamos ser prejudicados com isso, ao que ele me respondeu que era só por alguns dias.
Terminado o referido telefonema e passados cerca de dez minutos, o Sr. José Esteves saiu de minha casa acompanhado pela Gina, com o intuito de ir ao referido encontro. O meu marido utilizou novamente o Fiat 600 para levar a Gina e o José Esteves até casa deste no Cacém. Sei, por intermédio do meu marido, que o Sr. José Esteves e a Gina só saíram do carro Fiat 600 depois de no carro terem rodeado várias vezes a casa do José Esteves e se terem certificado de que não havia carros ou pessoas estranhas nas redondezas. O meu marido regressou imediatamente à minha casa sozinho, tendo chegado por volta das 2 horas e 30 minutos. O Sr. José Esteves voltou algumas horas mais tarde, quando eu já estava no meu quarto a dormir, tendo, contudo, acordado quando ele chegou. Eram sensivelmente 5 horas e 30 minutos da manhã.
Passados uns dias o José Esteves confirmou ter estado nessa noite com o tenente-coronel Lencastre Bernardo, com quem falou acerca da sua segurança pessoal. A partir, portanto, do dia 5 de Dezembro, o José Esteves passou a estar mais calmo e menos nervoso, uma vez que as suas preocupações não tinham a ver com o que havia sucedido às pessoas que morreram no atentado de Camarate, mas sim com a possibilidade de ele, José Esteves, ser preso pelo
seu envolvimento nesse atentado.
O Sr. José Esteves permaneceu alguns dias em minha casa, não posso precisar quantos. O que me contrariou bastante, pois eu nunca simpatizei com o Sr. Esteves e do qual até tinha algum receio devido às conversas que ele tinha, vangloriando-se de alguns atentados que tinha feito anteriormente, tais como os efectuados ao Dr. Freitas do Amaral e ao engenheiro Lopes Cardoso, entre outros.
Durante essa permanência em minha casa numa determinada noite, estando eu na cozinha, ouvi então o José Esteves comentar com o meu marido na sala que confirmava o atentado ao Sá Carneiro, lamentando não ter sabido que o engenheiro Adelino Amaro da Costa iria nesse voo, pois nesse caso nunca teria preparado a bomba para ser colocada no avião. Referiu também que era muito amigo do engenheiro Amaro da Costa, a quem devia inclusivamente vários favores durante a sua permanência no CDS, mas que tinha sido enganado, na medida em que lhe tinham dito que a bomba era para o general Soares Carneiro.
Quero também acrescentar que, antes deste atentado, durante aproximadamente dois ou três meses, o Sr. José Esteves andou frequentemente com o meu marido, a quem pedia para o acompanhar a diversos locais, sendo apenas do meu conhecimento que um desses locais, por conversas que ouvi lá em casa, foi o Aeroporto da Portela, em Lisboa. Também ouvi falar várias vezes de um tal Canto e Castro, que fiquei mais tarde a saber que era um militar.
Já no Brasil, em 1986, durante um mês de férias, o Sr. JOsé Esteves apareceu em casa da minha mãe, na Rua