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5 | II Série B - Número: 055 | 2 de Fevereiro de 2008

Na ocasião a proposta de averiguações para obter esclarecimentos esbarrou com a firme oposição do PS, do PSD e do CDS-PP, que chumbaram a proposta de inquérito.
De entre os principais argumentos dispendidos, oriundos sobretudo da bancada da maioria PS, apontavase a alegada falta de factos «para existir um inquérito parlamentar, têm de existir factos, e a partir desses factos é que pode fazer-se a ligação em relação à responsabilidade». A maioria pretendeu transformar um inquérito baseado em indícios num julgamento de factos apurados e por isso recusou o apuramento de responsabilidades então proposto.
Pior do que isso, a maioria reconheceu mesmo a existência de indícios mas ainda assim recusou a abertura de um inquérito parlamentar destinado a averiguar se esses indícios poderiam dar origem a factos relevantes susceptíveis de originar responsabilidades. Afirmou então o PS «estar suficientemente indiciada a passagem de aviões», mas que «nem procederam a entregas, nem há indícios de que tivessem trazido passageiros com o objectivo de fazer entregas extraordinárias». E mais adiante, no debate, «esses aviões terão passado repetidas vezes em Portugal, mas nunca — nada disso está provado — com o objectivo de fazer entregas extraordinárias».
De novo surgiram agora em público elementos que fundadamente voltam a questionar as eventuais responsabilidades dos governos portugueses nesse período. O relatório da organização não governamental britânica Reprieve» conclui que 728 dos 744 prisioneiros ilegalmente transportados para a base militar norteamericana em Guantánamo terão passado por jurisdição portuguesa, seja usando o nosso espaço aéreo seja aterrando mesmo em pistas situadas no território nacional. O relatório apresenta uma lista de 48 voos para transporte desses passageiros involuntários e indica que desses nove aterraram tendo feito escala em Portugal. Para pelo menos um desses voos a Reprieve apresenta o nome e a nacionalidade dos passageiros.
Há, portanto, prisioneiros ou suspeitos detidos que, no âmbito de operações clandestinas denominadas «rendições extraordinárias», levadas a cabo pela CIA, cruzaram ou escalaram aeroportos em território nacional. Tais indícios carecem de ser esclarecidos.
O director legal da Reprieve afirma nessa sequência que o governo português «tem de fazer um sério exame de consciência», adiantando que «nenhum destes prisioneiros poderia ter chegado a Guantánamo sem a cumplicidade portuguesa».
Há, portanto, mais indícios a somar aos anteriormente existentes que voltam a justificar um novo pedido de inquérito parlamentar.

II

Os antecedentes já são relativamente conhecidos.
Notícias vindas a público, a partir de Julho de 2005, davam conta que os EUA recuperaram um método de operações clandestinas denominado «rendições extraordinárias».
De acordo com tais notícias, o Presidente dos EUA autorizou e incentivou os seus serviços secretos, nomeadamente a CIA, a utilizar aquele método consistente no sequestro de «suspeitos de terrorismo». Os «suspeitos», assim discricionariamente classificados pela CIA, podem ser perseguidos e detidos, em qualquer parte do mundo, para depois serem enviados para prisões secretas em diversos países. Segundo notícias, nestas prisões os «suspeitos» são recebidos com maus-tratos e mesmo torturas.
Para deter tais «suspeitos», a CIA envia os seus agentes, em aviões civis, que circulam livremente pelo mundo, fazendo escala em diversos países, detendo ilegalmente pessoas, depois enviadas para essas prisões secretas, sem qualquer acusação ou garantia de respeito pelos mais elementares direitos de defesa.
Pouco tempo depois a Secretária de Estado norte-americana viria a confirmar publicamente a prática pelo seu país do método das «rendições extraordinárias». O director da CIA não desmentiu a utilização de prisões clandestinas e o transporte de prisioneiros. Já o próprio Presidente Bush, em Setembro de 2006, vem a reconhecer a existência de prisões secretas da CIA («ambiente onde [prisioneiros] possam ser mantidos em segredo»).
Tais declarações surgiram num ambiente em que já avultam, em diversos países europeus, intervenções de provedores e entidades judiciais, pedidos de inquéritos parlamentares, um relatório do Conselho da Europa, investigações em desenvolvimento no Parlamento Europeu, declarações de autoridades de países da União Europeia relativas à aterragem nos seus territórios de aviões utilizados pela CIA e confirmações relativas a pessoas feitas prisioneiras e transportadas nas condições expostas.

III

A atitude do Governo português foi a este propósito lamentável e sempre opaca.
Na exposição de motivos ao inquérito parlamentar n.º 2/X fizemos já a denúncia em concreto do percurso obstrutivo do Governo actual, que impede sistematicamente que se investiguem os indícios.
Já o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros pela CIA eram objecto de fiscalização política por Parlamentos nacionais de outros países europeus e ainda o Governo português evitava as explicações em sede parlamentar, desvalorizando notícias, negando indícios, afastando evidências, ignorando as sucessivas denúncias públicas.