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II SÉRIE-B — NÚMERO 58

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mesmos, isto é, rodar da esquerda para direita ou de bombordo, rodar da esquerda para a direita ou de

estibordo. O que é que isto implica? Os efeitos não se anulam e implica uma derivação do navio para

bombordo ou para estibordo, sendo que, depois, na prática, uma das máquinas tem de ser sacrificada para

andar a corrigir a rota que o navio tem.

Ora, para chegar onde chegaram, à escolha dos equipamentos com 3000 kW de potência, não acredito

que a Atlânticoline não soubesse que o propulsor tinha 3000 kW de potência e o motor elétrico que iam

instalar para dar a potência dos 3000 kW também tivesse 3000 kW. Não acredito que a Atlânticoline não

tivesse lá gente que dissesse: «Por amor de Deus, a montante, tens de ter mais de 3000 kW, porque na

transmissão há sempre 2%, 3% ou 4% de perdas — depende! — e jamais traremos a potência à propulsão.

Estou convencido de que as pessoas que estão envolvidas nisto tinham todos os conhecimentos, que são

pessoas que sabem, efetivamente, de navios, mas a Atlânticoline estaria a pensar: «Vamos para esses

propulsores de 3000 kW, porque, para termos a certeza de que o navio vai dar as 18 milhas, temos de montar

uma propulsão de 3500 kW ou 4000 kW e, nesse caso, estamos ‘tramados’ com o projeto, se este se alterar

todo e, se calhar, já nem temos navios para instalar o equipamento que é necessário».

O processo foi-se desenrolando. Estava tudo bem com o navio. Se não houvesse o problema da

estabilidade em avaria, ainda hoje os Estaleiros não tinham problemas, porque estávamos a construir navios

daqueles para todo o mundo.

O problema é que o navio era grande demais e os Estaleiros, com todas as suas deficiências, foram

certamente incapazes de passar para o papel aquilo que deviam ter feito — e veremos mais tarde onde quero

chegar — e quando se vem a verificar (com todas a pressas por causa do tal prazo, cometeram-se erros),

quando se vai fazer a prova de estabilidade, verificam que o navio, em condições de estabilidade em avaria,

não cumpre as regras.

Aí é que foi o desastre. O navio começa a aumentar de peso, para satisfazer todas as regras, e, quando

vamos a provas de mar, jamais o navio dava as 18 milhas. Mas eu continuo na mesma: as 18 milhas era uma

questão sobre a qual os Estaleiros, certamente — ou os Estaleiros ou a SCMA ou alguém —, se deviam

entender, porque se chegaram ali… E, mais, isto era uma construção que ia dar dinheiro aos Estaleiros e à

Atlânticoline, porque, à partida, isto era uma construção garantida que ia dar muito dinheiro — viu-se o

dinheiro que deu!

Então, o navio não dá a velocidade. Entretanto, há o problema de o navio não ter sido pensado, mas temos

gente para pensar muito bem nisto, e, quando a Atlânticoline, nos Estaleiros, mete no navio a futura tripulação,

surge efetivamente a verdadeira história do navio. A tripulação interroga-se: «Será que o meu patrão vai ter

dinheiro para o combustível? Então, um navio destes, para 750 passageiros, vai andar nos Açores a

transportar 5 ou 10 pessoas? Onde é que o meu patrão vai ganhar dinheiro? Este navio só queima gasóleo.»

E pergunta o chefe: «Mas, então, isto nem queima fuel?», ou nafta, como se chama na gíria. «Não, só queima

gasóleo». «Ainda é pior a emenda que o soneto, estamos desgraçados!».

Isto deve ter chegado, de certeza, à Atlânticoline. E quando eles perceberam que tinham um «elefante

branco», porque aquilo era navio de mais para os Açores, e vem as provas de mar e o navio não dá a

velocidade, os Estaleiros, não sei se por ingenuidade ou não… É porque, no passado, nos Estaleiros, já

tivemos problemas com velocidades e nunca os navios foram excluídos e rejeitados, embora haja sempre uma

causa que penaliza o construtor, mas nunca a rejeição. Não sei por que é que ela lá estava metida! Mas, se lá

estava, era por alguma razão.

Como eles viram que tinha de ser sempre dia de Santo Cristo — o que, acho, não acontece, infelizmente,

nos Açores — e como eles não ganhavam para pagar à tripulação, serviram-se daquela e rejeitaram o navio,

pura e simplesmente. Mas a história é muito grande, não vou contá-la toda porque senão perco-me; penso já

chega.

A respeito do fiscal, não sei se chegou sete meses mais tarde ou mais cedo. A partir da altura em que o

conheci, sei que, e para colaborar na parceria, o fiscal acabou por desaparecer dos Estaleiros com o acordo

da Atlânticoline. E uma coisa lhes garanto: os Estaleiros não ganharam com a saída deste fiscal, que, depois,

acabou por desaparecer e, na fase final do navio, já lá não estava.

Penso que respondi às perguntas. Haveria mais coisas para dizer, mas acho que já chega.”103

103

Cfr. Ata da audição da CPIENVC, de 27 de maio de 2014, ex Técnico da ENVC, Sr. Eng.º António Martins Iglésias, págs. 5-8,

sublinhado do relator.