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II SÉRIE-B — NÚMERO 50

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4. A grave violação do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder

político, a promiscuidade interesses públicos/interesses privados, as “portas giratórias” e os indícios

de corrupção

O processo de reorganização e reestruturação do sector elétrico nacional, o nome de batismo da

privatização, desmembramento da EDP e liberalização, pelos interesses económicos que envolveu foi

absolutamente capturado pelo poder económico dos grupos monopolistas e financeiros, nacionais e

estrangeiros. E é esse poder económico que determinou o conteúdo e a forma, e o desenho final do processo,

pelo condicionamento imposto às condições em que foram tomadas as sucessivas decisões governamentais

que o impulsionaram. O que se tornou particularmente visível na proliferação de textos e diplomas, muitas

vezes revendo, alterando, eliminando em curtos períodos de tempo comandos legais anteriores, quase sempre

comprometendo a defesa do interesse público. O Estado foi profundamente lesado nos seus interesses e a

população e a economia foram defraudadas nas promessas que lhes tinham sido feitas de redução dos custos

da energia elétrica.

Foi gravemente subvertido, por opção política deliberada, o princípio constitucional de subordinação do

poder económico ao poder político, antes se verificando precisamente o contrário, com o poder económico a

determinar o que poder político deveria fazer. Tal ficou bem patente nos trabalhos da CI, que na feitura de

muita legislação – decretos-leis, portarias, despachos e até resoluções do conselho de ministros – era

preparada, formatada e em grande parte redigida pelos interesses económicos e grandes operadores do

sector como a EDP, limitando-se o poder político a fazê-la sua, pela assinatura e publicação no Diário da

República. Regista-se como o melhor exemplo, as declarações de Manso Neto, na sua Audição na CI. «O

Governo decide» diz Manso Neto. E acrescenta: «Redigir uma proposta de decreto-lei, a pedido do Governo,

que o Governo depois, pode emendar, cortar e decidir, não vejo sinceramente, onde está o crime.» É uma

«interação» «normal.» «É uma grande empresa» Ou a referência ao papel de Rui Cartaxo feita no Relatório.

Facilitou, para não se dizer que promoveu, toda esta intervenção do poder económico nos processos

decisórios do poder político a existência de um importante conjunto de quadros que circularam no conhecido

sistema das portas giratórias entre posições e lugares no aparelho de Estado / administração pública

(assessores e conselheiros de gabinetes governamentais), incluindo como Secretários de Estado e Diretores

da DGEG ocupam lugares nas administrações e cargos técnicos superiores nos operadores privados. Quadros

que assumiram um papel relevante nas delegações do poder político e do poder económico que negociaram

diferendos e acertaram pontos de vista na preparação das decisões políticas e administrativas. Quadros em

grande parte com percurso profissional na Boston Consulting Group (BCG) que funcionou como uma espécie

de banco de quadros, como resulta do que se escreve no Relatório no Capítulo 14 “o papel dos consultores da

Boston Consulting Group na liberalização do mercado elétrico em Portugal”.

Outra evidência forte das portas giratórias e da procura pelos operadores privados de passadeiras para o

poder político é a presença, após a privatização total da EDP, no Conselho Geral e de Supervisão da EDP

(CGS) de cinco ex-ministros mais um ex-Ministro como CEO. E quando se faz substituição do Presidente do

CGS, é ainda um 6.º ex-ministro que ocupa o lugar.

Tudo indicia a completa porosidade e indefinição da fronteira e uma intensa promiscuidade entre a parte

pública e a parte privada, acabando mesmo por ofender direitos dos operadores privados do sector não

chamados às mesas de negociação e afastados de qualquer intervenção na decisão pública.

Reproduza-se um pequeno texto, como exemplo, retirado do Relatório: «Rui Cartaxo, adjunto de Manuel

Pinho, teve grande influência no processo de avaliação da extensão do domínio hídrico. Rui Cartaxo manteve

um fluxo permanente de informação com a EDP, como ressalta das peças do processo judicial remetidas pela

Procuradoria-Geral da República à CPIPREPE, em que são reproduzidas comunicações que demonstram que

Rui Cartaxo preparou diretamente com a cúpula da EDP os termos do aconselhamento desta empresa ao

ministro Manuel Pinho, que Cartaxo assessorava, e que informou a EDP do andamento das diligências para a

contratação das entidades bancárias a quem foram encomendadas pelo Estado avaliações do valor da

extensão da utilização do domínio hídrico.» (último item das Conclusões do Capítulo 2 – O processo de

concessão do domínio hídrico).

Não é assim difícil de aceitar que um tal grau de intenso, ambíguo e perverso relacionamento entre os

agentes do Estado e os agentes dos operadores privados em negociações, consolidando mecanismos e

operações político-administrativos, envolvendo muitas centenas de milhões de euros, constituem elementos