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II SÉRIE-B — NÚMERO 4

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O primeiro facto foi o papel da ANA privatizada na oposição sistemática a qualquer tentativa de construção do novo aeroporto de Lisboa – NAL. Na altura da privatização, o País foi convencido que o NAL seria construído pela ANA mesmo depois de privatizada (alguns até juraram que seria graças à privatização).

A realidade dos últimos 10 anos é que a multinacional Vinci demonstrou que não quer, de forma nenhuma, sair

do Aeroporto Internacional Humberto Delgado, que considera altamente lucrativo para si. Ora, retirar o

aeroporto de dentro da cidade de Lisboa é um objetivo que está assumido pelo Estado português desde 1971.

A multinacional Vinci, agora detentora da ANA, tem agido sistematicamente para travar esse objetivo, e tem

usado para esse fim os imensos recursos públicos de que se apropriou com a privatização.

A realização de uma comissão parlamentar de inquérito torna-se incontornável perante um segundo facto:

a publicação do Relatório do Tribunal de Contas – Relatório de Auditoria 16/2023 sobre a Privatização da

ANA. Um relatório cujo conteúdo não pode ser ignorado, sob pena das graves conclusões que o mesmo retira

não terem consequências, nem políticas, nem mesmo criminais. Este Relatório, que esta Assembleia da

República solicitara em 2018, foi publicado a 5/01/2024, mais de dez anos depois da privatização e quase seis

anos depois de ter sido solicitado. Ignorar o conteúdo e as implicações desse relatório transformaria a

Assembleia da República num órgão conivente com um processo profundamente lesivo dos interesses

nacionais.

Uma ordem de questões prende-se com o valor da venda da empresa. O TdC demonstrou que a venda se realizou por 1127,1 milhões, quando o anúncio público foi de 3,08 mil milhões. E o Tribunal de Contas ainda

denuncia que foram oferecidos à Vinci os dividendos de 2012 no valor de 71,4 milhões de euros, quando em

2012 a empresa era pública. Há aqui três questões a apurar: a responsabilidade política de quem mentiu ao

povo português, a responsabilidade financeira da Vinci, que pode ter recebido um desconto ilegal, e a

responsabilidade criminal de quem ofereceu esse desconto.

Uma segunda ordem de questões prende-se com a avaliação prévia que era legalmente exigida, e que não

foi realizada. O TdC primeiro aponta que a avaliação intempestiva não substitui a avaliação prévia legalmente

exigida, depois constata que, entre a avaliação intempestiva realizada e a venda, o Governo alterou as

condições e o valor do ANA ao introduzir um conjunto de alterações nos contratos e na lei durante o próprio

processo de privatização. O Relatório evidenciou o desastroso negócio realizado, demonstrando que o

conjunto de dividendos que a multinacional retirará ao longo da concessão será superior a vinte mil milhões de

euros e que a divisão de receitas entre a multinacional e o Estado (incluindo nas receitas do Estado o preço de

venda e os valores a receber a partir de 10.º ano de concessão) será, na melhor das hipóteses, de 79% para a

multinacional e de 21% para o Estado, um valor absolutamente fora do vulgar, para mais tratando-se de um

conjunto de infraestruturas já construídas.

Uma terceira ordem de questões levantadas pelo Tribunal de Contas está relacionada com a

promiscuidade entre a gestão da administração pública e privada, tanto na fase de privatização como na fase

de gestão privada. A primeira situação apontada pelo Tribunal de Contas é a nomeação da última

Administração da ANA, já depois de iniciado o processo de privatização, quando o lógico seria manter uma

administração com experiência e conhecimento durante esse processo. Um mês depois de nomeada essa

nova administração, a multinacional Vinci publicamente informa que irá contratar essa mesma administração

para assumir a gestão privada da empresa, o que viria a ser concretizado, um ano depois, com a manutenção

de todos os gestores «públicos» na gestão privada. Estes factos são depois agravados com as suas

implicações, nomeadamente a mudança de posição da ANA sobre a proposta global da Vinci, que passa de

«irrealista e irrealizável» para «a mais forte e a mais competitiva».

Por fim, coloca-se a questão da fidedignidade da documentação, expressamente levantada pelo Tribunal

de Contas, que por diversas vezes dá conta da sua perplexidade por várias inconformidades na documentação

entregue pela Parpública, que «revelam o risco material de deturpação de documentação processual» ou,

noutra expressão, o «risco material de falta de fidedignidade de documentação processual».

Este conjunto de questões levantadas pelo Tribunal de Contas na sua auditoria, e aqui apresentadas,

seriam suficientes para a realização imediata de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de

privatização da ANA. A dissolução do Parlamento pelo Presidente da República impediu a apresentação dessa

iniciativa, que se mantém tão atual como então.

Coloca-se ainda uma terceira e fundamental razão para a realização desta comissão de inquérito: a própria gestão privada, a forma como esta se tem desenvolvido, os prejuízos que tem trazido para o